“Combien de crimes ont été commis
(…) combien sont là à cause de la folie.”
The Stranglers, La Folie.
São os pensadores de leis, os arquitetos da sociedade funcional, que proclamam a inutilidade do crime. Devem convencer cada átomo da sociedade que o crime não compensa, para não serem os primeiros a não cumprir a promessa da sociedade harmoniosa.
Conseguem cumprir a promessa? Conseguem garantir que cada membro do grupo não é um delinquente em potência, ou até um delinquente em nome próprio? Alguém jura pela ausência de crime só porque se anuncia, em pomposa declaração de moralidade, que não compensa cometer um crime? Quantas vezes terão sido cometidos crimes que passaram em branco? Crimes, dos mais graves aos mais comezinhos. Quantas vezes?
Nem uma vigilância milimétrica sobre os passos de cada pessoa poderia garantir que, pelo menos, a ideia do crime não passe pela cabeça de alguém. E por mais apertado que seja o cerco e todos os nossos passos e decisões estejam à mercê da vigilância tecnologicamente metódica, não há sistemas à prova de fragilidades. A menção ao pessimismo antropológico legitima a propensão para a desobediência aos cânones da sociedade harmoniosa.
Há sempre quem queira ser rufia por calcular que lhe traz vantagens, as vantagens que se obtêm sem o crivo da exigência que é necessária para as obter. Há caminhos mais fáceis que são atalhos sedutores. O limite da legalidade é ultrapassado sem grande dificuldade. E por mais que se enraíze a prática, maior será o número de pessoas a sucumbir ao charme dos atalhos que são o território minado da lei (e da sociedade em harmonia).
A lógica do crime que não compensa pode não ser apenas uma historíola para manter as aparências. É um véu, com o selo do poder, para que o fingimento se sobreponha às dores de parto da realidade.
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