20.8.21

Vidro fosco (short stories #356)

Interpol, “NYC”, in https://www.youtube.com/watch?v=5GRNCNZ_TL4

          Sobre os sonhos que amanhecem sob a égide da clepsidra, não digo nada. No avesso da fala, enquanto amadurece o silêncio e nem sereias se fazem ouvir, conjeturam-se as hipóteses válidas. Sob a copa da árvore centrípeta, arrumam-se os rostos seráficos das viúvas perenes; elas esperam pelo murmúrio das memórias. Não estão à espera do entardecer. Não é a geometria dos verbos que se antecipa ao espaço que se joga ao porvir. Os dentes à mostra são o presságio de um sorriso. Já deixou de ser o tempo em que os sorrisos estavam exilados contra a sua vontade. Agora, estes sorrisos substituem as vozes. Falam mais do que mil estrofes. Ao cuidado dos boémios, os tempos renovados promovem um demorado agradecimento. As angústias voltam ao perímetro dos misantropos. Não são os açaimes imperativos que disfarçam essa condição. As pessoas dizem (possivelmente, não sem razão) que os rostos desalfandegados escondem os fingimentos. Como se se tratasse de uma devolução à condição primitiva; os fingimentos sem precisarem de um biombo para serem a fala mais alta. Falta saber quando se considera o começo para se falar da condição primitiva. Porque atrás de um tempo há sempre um tempo por indagar. Por determinar está o momento fundacional. Até lá, que ninguém dispute o significado da condição primitiva. Que ninguém estabeleça imperativos categóricos. Que ninguém ouse sentenças inapeláveis. Que ninguém se diga tutor da única voz audível. Há toda uma História por narrar. Aberta aos vários olhares que se terçam. Não se esperem altares privilegiados ou santuários ocupados por verdades irrefutáveis. Não se decrete a repristinação dos tempos havidos, por pressentimento ainda por assentar. Dizem que nada será igual ao de antanho. Falta a autópsia metódica, ainda à espera dos espíritos clarividentes. Fixando, como ponto de partida, a recusa de epifanias.  

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