25.2.22

Alçada

Radiohead, “There, There”, in https://www.youtube.com/watch?v=7AQSLozK7aA

Remoço o retrato que se aviva na luz clara da manhã. A carne não capitula ao saber das marés contra, nem se intimida com o peso do calendário. A usura não é um domínio do tempo; é do pensamento, se ele não se deixar domar pela rendição. O pensamento não é refém do tempo.

As vozes tumulares reivindicam o seu lugar no espaço em que se abraça o tempo. Dizem que ninguém se filia na eternidade. Não era preciso o lembrete. Da efemeridade somos tributários, sem fuga possível. Mas enquanto a efemeridade não é selada mais ninguém se assenhoreia da vontade que é um desenho vívido da genética. Nem que seja preciso investir contra a corrente forte que se constitui no santuário da maré. 

Deponho o futuro no palco irregular em que determino os paradeiros. Se o quero guardar para uso privativo, ou a se a ele quero admitir outras presenças, sou o único juiz com alçada sobre o domínio. Se é da absolvição do tempo que se trata, advirto que é um equívoco: o tempo adeja sobre nós, não tutelamos a sua vontade; apenas somos capazes de tutelar a vontade de que é feita a ossatura em que assentamos. Por isso, a alçada de que somos magistrados não transige a não ser com o que de interior a vontade se compõe. 

Depois, os preparos que denunciam os arrependimentos escusados são hipotecados. Há pessoas que parecem em permanente processo de aprendizagem do arrependimento. Como se andassem de dia em dia no inventário de arrependimentos, e disso não passasse a sua passagem pela vida. Um arrependimento consome-se na sua vacuidade. Talvez chegue para forrar as funduras da consciência, as pessoas convencendo-se que a formulação do arrependimento acalma a convulsão interior que as desassossega. O arrependimento não entra na alçada. É um endosso da responsabilidade para uma ficção, externa ao seu titular.

Na intempérie permanente que se arremata da convivência imperativa, um arrependimento é o cárcere no passado. A alçada da vontade interior exige que o olhar supere a dicção dilatada de um tempo extinto. Para não se desaproveitar o que o vindouro nos preparou no sortilégio do desconhecimento.

Sem comentários: