Nick Cave & Warren Ellis, “Carnage”, in https://www.youtube.com/watch?v=FXmDoN3mBao
Não se pedem apeadeiros no cais onde o nevoeiro é colhido. As bocas estão fechadas, diz-se que é a “happy hour” do silêncio. Sobram os pensamentos. Se eles fossem hertzianos, ou vertessem uma forma de radiação, seriam como vulcões à espera de sair do seu eclipse. Atropelar-se-iam numa cacofonia que ditaria a impercetibilidade da tela bordada pela profusão de pensamentos. Seria como arrancar os ossos ao magma, deixá-lo levitar sobre os umbrais onde as palavras se fazem gente. As ossadas despojadas num baldio ermo seriam inventário sem tutor. Ninguém quer deitar as mãos aos ossos assim deixados ao desbarato. Não é por acaso que se usa a palavra “desbarato”: toda a ossatura perdeu validade e nem sequer se encontra quem celebre a memória dos que foram seus portadores. O olhar vira-se para a paisagem arcádia. Precisa de desprender-se dos vultos escondidos nos ossos que foram arrumados no armário dos desperdícios. Todos os ossos estariam à espera de identificações. Amontoados, entrelaçados uns nos outros, ficam órfãos. Os ossos vão continuar a ser o penhor do anonimato. Apenas se sabe que dantes, quando não eram matéria inanimada, pertenciam a pessoas. Agora são tutelados no esconderijo da indiferença, como se as pessoas que neles andaram nunca o tenham sido. Para piorar, ninguém sabe dos algozes da carnificina, quem desterrou todos aqueles ossos para um ermo lugar à espera que ninguém por eles esperasse. Hoje, tirados os juros a limpo, os ossos que esperam incineração esbarram na inclinação das pessoas que neles andaram: ninguém admite a sua existência, nem os algozes que conservam segredo da carnificina. Às vezes, o passado oblitera-se na cumplicidade dos que o tutelam desde um tempo que lhe é posterior. Dos mais altos salões, soergue-se a determinação do esquecimento como caução do apaziguamento.
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