As sabatinas de moralismo são um tesouro que não devem ser desperdiçadas. Devem, até, ser emolduradas, para memória futura. Porque os emissários que discorrem com o dedo espetado sobre as poucas vergonhas dos outros não perdem pela demora. Mais tarde ou mais cedo, também são apanhados no alçapão onde tinham caído os que foram por eles abjurados, sem contemplação.
O mal, é que o mesmo dedo erguido em riste contra os cânones moralmente estabelecidos é o dedo que escarafuncha na rede (aparentemente inviolável, de acordo com os sacerdotes da moralidade) que se volta contra a sua sanha persecutória. Das maiores recompensas que um humilde penitente pode embolsar é saber de diligentes guardiães dos estatutos convencionados serem apanhados à má-fé. A revelação encerra duas virtudes: cai-lhes a máscara e a moral, de que se dizem notários, estilhaça-se no nada a que devia pertencer.
As pessoas não se deviam interessar pelos outros. Bem-entendido, não se argumenta a alienação do outro, como se cada um de nós fosse uma ilha sem ligação com os semelhantes. Não se deviam interessar pelos outros no que aos outros fosse considerado um desvio à regra. Se existem regras, não se pode cancelar a hipótese de elas albergarem os seus desvios, por muito que a regra se insurja contra a dissidência e possua o seu exército particular para a combater. Porque não somos ilhas e, mesmo que fôssemos, não podemos ser intrusos nas ilhas outras sem termos a veleidade de os outros não espreitarem entre os interstícios do que está escondido nas nossas janelas.
O que devia achacar as pessoas não é aquele que mostra o macaco distraidamente extraído às cavidades nasais pendurado num dedo. É o que levanta o dedo a denunciar o comportamento desviante, sem perceber que o dedo acusatório não consegue disfarçar os vestígios de um macaco outrora arrancado às cavidades nasais. Pior do que um saliente pecador é aquele que tirou o dia para acertar contas com o pecador, escondendo, todavia sem êxito, a sua propensão para o mesmo pecaminoso arroubo.
Tudo se resolvia se o conceito de pecado fosse extinto do dicionário dos comportamentos.
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