17.2.22

Desproteção

Massive Attack, “Protection” (live), in https://www.youtube.com/watch?v=BFhICIUBlCk

À velocidade estonteante, a geografia proclama a sua matéria e nós, com exultação, consumimos o mais que podemos o legado da paisagem. À velocidade estonteante que é o débito do nosso sangue, um eflúvio que se levanta contra o remanso. 

Parece que estamos expostos aos elementos. Não vem daí grande mal. Se estivéssemos hibernados teríamos a desaprendizagem como proveito. Não queremos ser reféns de um espaço exíguo. Não queremos invocar o conforto de quem conhece, e de cor, todos os milímetros do chão que pisa. Preferimos deixar a casa da chegada e partir sem mapa nas mãos, os lugares escolhidos ao acaso como se as nossas mãos fossem o avesso de um atlas sem denominação de origem.

Convocamos as partidas do mundo que são o itinerário dos nossos corpos. Um chamamento que está em espera, sem sermos culpados pela espera. Torna-se mais aguda a procura de novos lugares. Como se a demorada manutenção no mesmo lugar fosse uma corda que ameaça deitar-se sobre as jugulares, seccionando a sede de conhecimento que habilita um fogo irreprimível no qual cuidamos dos frutos deixados em legado.

Não precisamos de proteção. Avançamos sem medo. Sabemos que os lugares que vierem às nossas mãos serão sempre dádivas. Avançamos desprotegidos, à espera que seja a silhueta e a luz que desenha cada lugar a deixar que às mãos se deponha a proeza. Desprotegidos, porque temos de nos dar aos lugares por conhecer para que eles se ofereçam em reciprocidade.

É no âmago desta nudez que queremos voltar a partir em demanda. Uma nudez que só nós acautelamos. Sem ser atentado ao pudor, que a sede de conhecimento não é lisonja de injúrias aos costumes. Para depois celebrarmos a nudez preenchida que nos tutela, a nós, que deixamos que em nossa casa entre uma fração de cada lugar que nos ensinou outros olhares. 

É essa desproteção que financia o avivar dos lugares que se fundem num lugar imaginário que não tem lugar nos mapas.

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