Não cabe este mundo no tamanho das mãos – dizia. Se o olhar se deitasse apenas de perspetiva, podia alcançar o planisfério e tornar-se seu tutor. Às vezes, a vontade é a mandante das coisas que se viram do avesso. Transfiguram-se no marégrafo doseado pela vontade. Dizia: podemos trazer o mundo inteiro pela trela sem ele dar conta. Não queremos que dê conta. Já ninguém quer ser imperador de impérios, por extinção destes. E, porém, na imprevisibilidade dos sentidos move-se um manto branco onde as mãos desenham as estrofes válidas. São elas que investem a insegurança contra a prosápia dos valentes e as fragilidades deixam de contar para os lugares sem direito a cartografia. Neste planisfério, o corpo desvenda-se sem ser preciso ir à sua nudez. É como se esse corpo fosse a procuração da doçura irrestrita que se subleva contra a conspicuidade do tempo dominante. As palavras fervem na boca como compassos indiscretos que fecundam o mundo. É este mundo que vive às custas do avesso do planisfério. Dizia, ainda: a vontade constitui-se o verbo maior na paisagem onde se amesquinham as pessoas reduzidas (outra vez) a súbditos. Se ao menos não houvesse a indulgência datada nas janelas da dependência crónica, se não fosse estrutural a rotina acrítica que conduz os súbditos, a vontade regressaria ao seu estatuto centrípeto. E seríamos todos, na atomicidade da sua centrípeta condição, um planisfério feito à sua medida. Seríamos tutores do nosso autêntico sentir, sem intromissões de mandantes sem mandato ou tirocínios enxertados que se perenizam, intencionalmente. Se houvesse resgate desse planisfério porventura seríamos afetuosos em vez de boçais, compassivos em vez de egotistas, vogais de maresia em vez de reféns de contrafação, compreensivos em vez de exilados numa hibernação disfarçada de outro nome. Se ao menos estes corpos, sem precisarem de uma coreografia de nudez, fossem planisférios – dizia.
14.2.22
Planisfério (short stories #376)
Baleia Baleia Baleia, “Egossistema”, in https://www.youtube.com/watch?v=2C24ATUYHAU
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