Ouvi na rádio que estreou um filme com o título “A pior pessoa do mundo”. Quem pode dizer, de si mesmo, que é a pior pessoa do mundo?
Dir-se-ia, em primeira apanha da reflexão, que tal pessoa interioriza a desqualificação de si mesma, numa patente viragem contra a maré dominante, feita de auto-heróis, gente muito atarefada dentro da sua altivez, gente que se convenceu que não cabe dentro da estatura que o espelho fala, narcisistas de má cepa. Quem adverte os outros para os perigos de uma exposição à sua pessoa joga contra o ensimesmamento dominante. Podia-se elogiar o desassombro de quem se atira de caras ao opróbrio de si mesmo.
A tarefa não é linear. Quem se auto-despromove ao ponto de se situar na derradeira fila das pessoas creditáveis não pode convencer os outros da petição. Para alguém se considerar a pior pessoa do mundo terá de possuir bases concretas que abonem uma comparação com outros, sobretudo com os outros que reclamam o mesmo estatuto. Como não será empreitada mensurável a comparação de abjetas pessoas, quando alguém afirma que é a pior pessoa do mundo não fala com conhecimento de causa – a não ser o conhecimento que tem da sua própria pessoa.
Por mais que pareça um ato corajoso, jurar com denodo que se é a pior pessoa do mundo resume-se a um narcisismo que levita através do esvaziamento do seu oposto. Quem diz que é a pior pessoa do mundo ganhará o concurso da pessoa mais honesta, a crer nas tendências modernas que colocam uma imensa mole humana no altar das virtudes. A franqueza pode mobilizar uns para uma cerca sanitária em relação a esta pessoa. Mas outros poderão sentir uma pulsão para dele se aproximarem: a vertigem pelo abismo é uma característica inata a certa condição humana. E se os que de si dizem o pior dos possíveis estiverem ao corrente desta pulsão e, intencionalmente, se menosprezarem só para atraírem aqueles que não sabem fugir do abismo? Nesta hipótese, a estratégia está montada para obter o resultado contrário do que é peticionado quando se proclama ser a pior pessoa do mundo.
Acrescente-se outra hipótese: quem avisa ser a pior pessoa do mundo quer afastamento dos demais. Se for genuinamente misantropo, é o arquiteto do seu próprio nirvana. É da natureza humana: as empreitadas não podem ser assim tão acessíveis.
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