Quando pede para perorar sobre a atualidade, depressa a comunicação social escorrega para as previsões do futuro. Por mais que procure levar ao entendimento que adivinhar o futuro não é tarefa das ciências sociais, o jornalista insiste. Tem uma imensa sede de futuro, como se na sua função estivesse incluída ser mecenas do tempo por adivinhar.
Insisto, perante a insistência do jornalista: não tenho um oráculo nas mãos e qualquer tentativa de antecipar o futuro é especulativa. O futuro tem a particularidade de torcer as voltas ao esperado e muitas vezes se compor do inesperado. Não me sinto capacitado para ser executante de um qualquer esoterismo que aposta sobre o porvir. Mas o jornalista, tão sedento de levantar o véu do futuro, persiste na interrogação. Desenha-a com outras palavras: “perante o que conhecemos agora, e mantendo-se as tendências atuais, o que se pode esperar do amanhã?” Antes que fique desarmado perante tanto voluntarismo, aviso que o conhecimento do presente não é cautelar das probabilidades do futuro. A contingência anda abraçada à incerteza, o nome de família do futuro.
Não sei se o código deontológico dos jornalistas foi mudado para que sejam afins dos meteorologistas. Desconheço se os leitores são ávidos consumidores do futuro na sua forma presente. É possível que a avidez de futuro tenha algum significado – e que ele seja patológico. Quem tanto quer saber sobre o futuro não atribui a devida importância ao presente. Desgasta o tempo presente, o único que tem entre as mãos. Ou pode ser o resultado de um desejo irreprimível de ultrapassar a dimensão desconhecida que é inata ao futuro. A incerteza amedronta. As pessoas sentir-se-ão mais cómodas se, por dotes de prestidigitação (ou apenas por impostura), alguém lhes forneça a tábua de salvação que desfaz o enigma sobre o futuro.
O jornalista porfia, ao saber da relutância em falar sobre o que não sei: “ao menos podemos saber com o que contar”, justifica-se. As pessoas querem prevenção contra os sobressaltos do futuro? Estas perguntas sobre o futuro parecem partir de uma premissa: o futuro vai a caminho de ser pior do que os tempos de agora; temos de nos preparar para os tempos adversos, como se fôssemos militantes de um estado permanente de crise. E o futuro dela se componha, por defeito.
Um pensamento paradoxal sobe à superfície: a precaução contra as probabilidades de um futuro contingente, com negros matizes, é uma prova de otimismo antropológico.
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