5.7.22

O gordo vai para a bancada (nem para a baliza vai)

Lisa Gerrard & Jules Maxwell, “Deshta (Forever)”, in https://www.youtube.com/watch?v=ho6bnBWW5pk

Se é sinceramente, vamos todos para o purgatório. Sem bocas para verter cozinhamos o vinagre deitado contra os sofismas que prometem indecoros. Não importa. Dissemos que o gordo vai à baliza, mas estávamos errados. O gordo nem à baliza vai. Fica na bancada.

Tirando o amanhã, as flores vistosas encamisam o dia inesperado. Contava-se com chuva, mas está um dia de sol. Outro episódio que reforça o anátema dos meteorologistas. É como se tivéssemos entrado numa degustação de sentidos e nos fosse requerido que, quais eruditos, puséssemos a riqueza de vocabulário ao serviço da empreitada descritiva do consumido na degustação. A páginas tantas, estaríamos a inventar palavras, ou a usar algumas que já ouvimos ou lemos em tempo, sem, todavia, sabermos o seu significado. Podíamos convidar o gordo a deixar a bancada, pois o gordo é conhecido pela sua facúndia vocabular. 

Mas não fingimos. Somos constituídos arguidos pelo delito de exprobração corporal de outrem. A discriminação do gordo foi patente. Primeiro decidíramos que o gordo ia à baliza. Onde teria utilidade: primeiro, corre pouco e é preciso gente disposta a correr o campo de um lado ao outro; segundo, a volumetria corporal dá-lhe uma vantagem, ao ter maior percentagem do corpo a ocupar o espaço da baliza (o que diminui a probabilidade de golo do adversário). Afinal, nem deixámos que o gordo fosse à baliza. Nem com tanto corpo a esconder as redes da baliza o gordo se conseguia mexer. A inação materializava-se na muita parte da baliza que ficava à mostra do adversário. O gordo era como muita parra e pouca uva, pese embora as promessas do oposto.

Mandámos o gordo para a bancada (e sabíamos que ele obedecia). Não quisemos saber dos protestos vocais dos habituais advogados de defesa das causas que mobilizam as vanguardas sociais. Não éramos parte dessas vanguardas sociais. A nossa equipa chamava-se “Os Velhos do Restelo” e não era por acaso.

O gordo – a que ninguém pediu opinião – não se importava de estar na bancada. Ia fazendo as palavras cruzadas, enquanto deitava o olho sobrante ao jogo em curso. Os que tanto defendiam o gordo contra a discriminação baseada na volumetria do corpo cometeram o seu próprio pecadilho: não perguntaram ao gordo se preferia ir à baliza ou juntar-se aos inquilinos da bancada. O esquecimento não foi um acaso. Os obstetras do politicamente correto e dos novos imperativos categóricos sabiam que resposta daria o gordo se lhe fizessem a pergunta que se esqueceram de fazer.

Os gordos mentais são, amiúde, os anões de outras convenções. Só que não sabem. 

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