27.7.22

Em vez dos nomes

Nick Cave and the Bad Seeds, “Bright Horses”, in https://www.youtube.com/watch?v=cfKYImFP_Pw

Subia a perplexidade ao saber que o seu nome era Estanislau: se fosse medido pela dioptria dos que julgam que os comunistas estão imunes à crítica, da minha perplexidade diriam ser uma manifestação de anticomunismo primário. 

Recuava, em movimento especulativo, à dimensão em que os pais de Estanislau concordaram sobre o nome do nascituro, vingasse ele após o parto. Quase de certeza – alvitro – seriam militantes do partido comunista e admiradores da União Soviética, partilhando, talvez, algumas idiossincrasias culturais com que o partido único infestou a sociedade.

Mas um nome era apenas um nome. Ou nada mais do que isso. Superando o movimento especulativo, que se poderia dizer de alguém que tinha o nome excêntrico de Estanislau? Saltando as barreiras da política (um lugar irremediavelmente mal frequentado), e dando mais corda ao movimento especulativo, poderiam os pais de Estanislau ser admiradores de Dostoievski. Há um Estanislau na obra de Dostoievski. Num salto argumentativo, os pais de Estanislau passariam da conotação com o saudosismo soviético-comunista para a esfera literária, ungidos com o reconhecimento ausente na ideologia política. Estanislau ganha, de repente, a credibilidade que a cultura tem e que não é imputada à política. 

Deve haver quem defenda que não devíamos ter as algemas de um nome. Por fora das convenções – pois um nome é identidade e sela os direitos de personalidade e outros de raiz constitucional –, não devíamos ter a existência dependente da correspondência a um nome. A favor da teoria: não é verdade que há artistas (escritores e músicos, sobretudo) que angariam pseudónimos para si mesmos? Libertam-se do jugo do nome com que foram creditados à nascença, sob o foro da pia batismal ou da chancela do registo civil, para a si chamarem um nome diferente, por eles recriado. Dirão os puristas da liberdade que o ato resgata a liberdade de quem decide reinventar-se com outro nome. Um pseudónimo é um nome. Não deixa de ser um nome. 

Os nomes são um anátema que carrega as pessoas com uma certa desliberdade. Uma alternativa que nos liberte da opressão dos nomes sem nos aprisionar a uma distopia parece – com o conhecimento havido – uma impossibilidade. Não se sabendo das costuras da distopia (a não ser que pode ser uma distopia), não seria reconhecida a troca da abolição dos nomes por uma qualquer alternativa vertida na distopia. 

Dir-se-ia: em vez dos nomes. Talvez a favor se diga que um nome não passa de um nome. 

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