(Um manual de amadorismo – ou as inconsequências de um D. Quixote fora da moldura)
O aspirante não esconde que quer ser primeiro. Como acontece a estes jogadores, move-se no tabuleiro como peça sub-reptícia, calculista, falando nos interstícios dos silêncios e ditando silêncios portentosos através das palavras que só aparentemente significam o que da sua leitura se infere. O aspirante nunca reconhece a condição antes do tempo. A sua extemporaneidade pode ser fatal para as ambições que se desenham numa penumbra pouco visível.
Mas o aspirante pode acordar num dia mau e as manobras terçadas podem-se voltar contra ele. Pode estar convencido que atirou uma potente arma de arremesso, uma arma que cala os que de si são adversários (fora e dentro da seita) e que mobiliza a turba – pois a turba, amante de sangue em geral, aprecia os anúncios contundentes que prometem que a obra será faraónica; a turba ainda não consegue lidar com as dores de decrescimento de quem regeu um império entretanto esvaído. Talvez o aspirante tenha atirado um boomerang, em vez de uma arma a seu favor. Os boomerangs costumam ser devolvidos a quem os arrojou.
Mas as contas saíram furadas ao aspirante. No dia seguinte, o superior hierárquico voltou com a palavra atrás. A palavra do aspirante foi desmentida, sem meias-tintas, pelo chefe de que o aspirante se julga delfim.
Agora, o comentariado profissional, e o amador também, está amarrado a uma nebulosa interpretativa. Alguns exigem a capitulação do aspirante, levando à sua extração do escol de regentes. Outros, possuidores de um oráculo que salta várias etapas na cronologia dos comuns, antecipam manobras complexas. Uns certificam a oficialização da condição de aspirante do aspirante. Será oposição ao regente sem ser oposição formalizada. Como se na seita tivesse sido deposta uma cesta com ovos de víbora. Outros, mais conspirativos, pressentem que são manobras para o aspirante libertar o superior hierárquico para outros voos.
Eu, que não possuo tamanhas capacidades divinatórias, verto uma lágrima de pesar pelo despacho precoce, por ter sido precocemente levado ao aborto pelo regente assim tão insensível. Se o aspirante oficializa a sua condição de aspirante, ou se o regente cortou relações com o aspirante e assim lhe retirou o estatuto – ou se o regente montou a estrangeirinha para olear a rampa de lançamento para mais altos voos, essas são movimentações num tabuleiro de que prefiro ser forasteiro.
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