26.7.22

Epílogo

Ólafur Arnalds, “Epilogue”, in https://www.youtube.com/watch?v=o6oZ5eh_A9A

A erva daninha removida adeja sobre os pesadelos. Teme-se que possa ser um fermento alojado numa toponímia, só à espera de ser ativado. A erva daninha talvez não tenha sido extinta. Está a medrar além do tempo visível na moldura que os olhos alcançam. Que ninguém diga que não está à mercê de fantasmas.  

Invoque-se um glaciar centenário para arrematar a erva daninha. Ou use-se o fogo, um lança-chamas se preciso for, para a dar como extinta. (Por paradoxal que seja o efeito: são as chamas ateadas que extinguem a erva daninha, mas fica um fogo clarão por extinguir – logo, um mal menor, em coro o dirão os pragmáticos.) Está em espera a audácia para arrematar a erva daninha. É o dobrar de cabo necessário para a deixar entregue ao olvido. Abrace-se o epílogo abotoado. Na formatura de um palco sem regras, os corpos deixados em letargia à mercê do acaso que se impõe à superfície. O epílogo pressente o futuro, interrompendo a mensagem da morte.

Não se procurem manuais para saber como alinhavar o epílogo. As circunstâncias tecem-se em seu tempo próprio, sem haver uma cunha que as forje. O epílogo não se abastece na proverbial vontade que se julgar sua procuradora. É tudo ao contrário: o epílogo é independente da vontade, vem servido no donativo dos acasos sucessivos que se impõem, espontâneos. Pois no epílogo levita um legado de futuro, costurado pela contingência que é própria desse tempo. Intui-se, o epílogo, como matéria indiferente da vontade.

O jogo final açambarca a suspensão do tempo. Esse é o donativo maior do epílogo. Como o deleite de um alpinista que atinge a cumeada e permanece, contemplativo, sem ter a noção do tempo, extasiado com a estatura da paisagem a seus pés. Serão precisas monções desmesuradas para dissolver da memória os epílogos assim açambarcados. Não se diga do medo que é a contingência involuntária do epílogo. 

Perenes, os epílogos não se confundem com uma breve maresia que se deita sobre o entardecer. As palavras amaciam os despojos que ultrapassam a moldura do tempo. Pendidos sobre a sorte avulsa, inscrevem os versos de ouro em páginas sem paradeiro.

Sem comentários: