Brinda à bravura de quem se oferece, de corpo inteiro e sem meias-medidas, ao touro em pega de caras. A bravura multiplica-se por casas decimais só de pressentir que os que observam elogiam o seu destemor – “ah! homem valente, grandes túbaros terá!” Avança, convicto, para a besta que promete arremeter sem comiseração. O marialva está convencido que o ato de valentia representa alguma coisa. Não sabe ao certo o quê. Não se lhe peça explicação fundamentada, que as capacidades não servem para tanto.
Encaixa o touro mesmo na ossatura compreendida entre os dois chifres. A força da besta sacode-o de um lado para o outro, fazendo um ricochete de si mesmo. Pese embora a violência da colisão, e a força que suporta enquanto consegue estar encaixado na fronte do bicho, o forcado de circunstância está no limite das forças. Sente que não consegue domar o touro. O bicho, num arremedo de força ainda mais bruta, meneia a cabeça de tal forma que o marialva é projetado no ar. Estaciona nas paliçadas que delimitam a arena. Está abalado. Mas convencido de como foi exemplar a sua intrepidez. Só não sabe para que efeito (a não ser uma vã glória interior que não oferece compensação exterior).
Uma testemunha da proeza não está convencida que se possa chamar proeza ao que acabou de assistir: “Assim também eu, os chifres do animal vinham com proteção...” O forcado de ocasião levanta-se de repente. Ao ouvir aquela provocação, deixou de estar combalido. Arregaça as mangas (outra vez) e dirige-se ao provocador. Não sabe quem disparou aquele dislate, só ouviu a voz peçonhenta. “Acuse-se quem me acusou de fingimento. Acuse-se já, não se acovarde no silêncio, agora que estamos cara a cara.” O marialva queria a segunda parte da pega de caras. Desta vez a função seria entre iguais, se o provocador não escondesse a identidade.
O marialva recolheu aos seus aposentos com o ego do tamanho da inflação vigente. Dos presentes, só ele é que se propôs pegar o touro de caras. Talvez a sua bravura tenha intimidado o espetador que o provocou, depressa remetido ao anonimato. Naquela noite, o mais bravo da aldeia podia dormir descansado. Estava provado: ele era o mais bravo da aldeia (e arredores). Não havia melhor barbitúrico, à falta de massa cinzenta para explicar a si mesmo a irrelevância de tanto exibicionismo afoito.
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