29.7.22

A fronteira que se move

Moderat, “Undo Redo”, in https://www.youtube.com/watch?v=EFkGsJ4bIGE

Não há geografias imudáveis. A arma do tempo esculpe as vontades que se mobilizam contra a letargia. As verdades são imputadas à contingência. Amanhã podem deixar de ser verdades e hoje podem não o ser para os outros. Que não seja esquecida a força demiúrgica da dissidência.

A gravilha que atapeta o chão move-se com a bonomia do vento, com o sacrifício estrutural dos lugares que se julgavam imóveis. Um imóvel só o é até se descobrir que mudou de lugar. Os costumes mandam dizer que as fronteiras não saem do lugar. As pessoas têm conhecimento das consequências das fronteiras. Mesmo quando são simbólicas, isto é, quando não travam a passagem das pessoas, não deixam de ser fronteiras; um embaraço ao pensamento. 

Há dias soube-se que um glaciar em degelo contínuo aposta em mudar uma fronteira entre Itália e Suíça. A modernidade conspira contra o estabelecido. É a luta contínua entre as forças conservadoras e as que promovem a mudança. Os primeiros têm medo da mudança e só consideram um habitat amigável se for coeso com o conhecimento que trazem como lastro. Os segundos sublevam-se contra as convenções e a rigidez do tempo. Advogam transfigurações que podem corresponder à adulteração do que temos por conhecido, desde que seja para melhorar a vida da maioria. 

As fronteiras das pessoas também são permeáveis à metamorfose. Os corpos têm as suas demarcações. Não mudam grande coisa, nem que o perímetro do corpo se altere por causa de dietas que o emagrecem ou de desmazelos que aumentam a sua volumetria. As fronteiras do corpo continuam a ser marcadas pelos seus limites, em ambos os casos. Uma pessoa pode mudar as fronteiras mentais. Por exemplo: alguém que viva circunscrito à exiguidade do seu terreno mental e que, a páginas tantas, transcende os limites porque o apetite de conhecimento o leva a procurar novos domínios. Só o faz se rasurar as delimitações que outrora o cingiam a uma pequena faixa de domínio mental.  

Os terrenos mentais têm uma vantagem sobre os territórios que se aferem pela geografia: a desmaterialização torna-os candidatos à fluidez das fronteiras que os demarcam. Ao desalfandegar o pensamento, ao ter abertura a novos domínios do conhecimento, ao tornar-se militante das artes, a pessoa descoloniza-se da inércia que o apequena. 

As fronteiras só são imóveis se quem as tutela assim quiser. 

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