8.7.22

Um Martini de rascunho

Blur, “Girls and Boys”, in https://www.youtube.com/watch?v=WDswiT87oo8

          Continuava a acrescentar itens ao inventário das absurdidades. Homens depilados. Um político inesperadamente honesto (não era contra a honestidade dos políticos, nem contra a honestidade em geral; apenas os julgava peixes fora do aquário e, entrados nessa via, necessariamente condenados ao fiasco). Espertalhões e ingénuos, pela mesma medida e bitolas opostas. Carruagens de comboios pichadas de uma ponta à outra, numa exibição de desarte. Maneirismos dos burgueses dos bons hábitos consumistas – como metodicamente menearem o copo de vinho antes da degustação, contrariando a boa ciência. Soezes que descarregam a fúria em inocentes, sem darem conta que o código postal está treslido. Ignorância em estado latente. Gurus de autoajuda e a irreprimível curiosidade de ser mosca para estar por dentro das suas vidas e desmenti-los por más práticas próprias. Sorrisos excentricamente cansativos das apresentadoras de televisão (oh, como entendo António Pedro Ribeiro dos Sereias!). Profetas do menor denominador comum. Vomitadores de futuro ao arrepio da História, dos mais diversos quadrantes e calibres. Catedráticos das suas certezas imperativas, do apenas porque sim. Escansões dos sentimentos alheios, na esteira dos gurus de autoajuda, a caminho de serem aspirantes a sê-lo (num processo de autoconvencimento pueril). Lídimos professores de moral e dos bons costumes com extensão nas vidas alheias, mas provavelmente não nas suas próprias – só para se confirmar o adágio popular que mistura palavras com ações, impetrando que apenas as primeiras sejam aferidas na báscula. Gente muito ativista, aparentemente descomprometida, ou apenas comprometida com a causa defendida, lobrigando numa intolerância invisível. Narcisistas de primeira cepa (que é igual a pior igualha), disfarçando a sua pungência. Mitómanos a ganharem o jogo aos misantropos. Misóginos a esconderem as fraquezas pessoais, decaindo numa mitomania sem gramática. Comissários do discurso obrigatório, com o meticuloso escrutínio sobre proibições discursivas e as inerentes punições que ostracizam quem disside. Gente disfarçada de gente, ou disfarces em vez de gente. Os cânones, em geral.

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