25.7.22

O rosto escondido

The Cure, “Disintegration” (live), in https://www.youtube.com/watch?v=l_G6P3eUE6o

A fita métrica usurpa as feições que se querem disfarçadas no nevoeiro. Não sempre é possível. Um abismo furtado aos deuses, na suposição da existência dos deuses, faz desabar as intenções. Sempre que houver um disfarce por perto, os rostos vestem-no.

De vez em quando, uma liturgia avulsa compõe o xadrez da esperança. Os rostos procuram ser ecuménicos, não se desviam do compromisso. Mostram aos regentes que possuem o poder do mundo que a lição que interessa é a do entendimento entre pares. Pois os rostos acabam todos por serem pares, por maiores que sejam as diferenças encerradas nas suas feições. Colhem a voragem dos dias para serem descomprometidamente os rostos que não se escondem se um espelho se intromete no caminho.

Pelo caminho, uns vultos espalham a desordem. Não querem a simplicidade das coisas. Convencem os demais que a simplicidade das coisas é um logro. (Mas não é.) E os rostos, apoderados pela intimidação, escorregam para os véus que os empobrecem. Alguém discordava: a matéria-prima dos rostos é composta por uma elevada dose de fealdade. Os rostos escondidos prestam tributo à estética. Mas não é isso que interessa. Ou por outro, a estética não pode ser desprezada – que fique bem entendido. Na ordem das prioridades, o fingimento sistemático dos rostos é miasmático, como se nesse esconder esteja contida uma castração voluntária de uma parte dos rostos, logo, de uma parte das pessoas. A estética fica para segundo plano.

No tempo da peste, os rostos andavam escondidos contra a vontade. Não foi um período significativo (para o efeito dos rostos sistematicamente escondidos). As pessoas desabituaram-se da plenitude dos rostos. Era como se a sua identidade tivesse sido amputada de metade e ninguém se importasse com os rostos escondidos por determinação a eles alheia. Quando as pessoas resgataram a plenitude dos rostos, açambarcaram a identidade que havia sido sitiada. Se hoje continuam rostos escondidos, em máscaras que se veja ou no véu de uma metáfora, são as vontades que assim se congeminam.

Mas não deixam de ser rostos escondidos. Para todos os efeitos. Rostos que se evadem da circunspeção do mundo à sua volta, como se precisassem de estar resguardados de um agente exterior, um agente agressor.

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