Os olhos amordaçados pelo sonho insubmisso mergulham no abismo onde manda a escuridão. E, todavia, o Verão empresta a claridade sem amarras, faz o dia soalheiro. A estrada desfila nos minutos que se seguem, consecutivamente. É o único som, o da estrada desenhada nos contrafortes de uma cordilheira, dado o sinuoso que se pressente. A curvatura do olhar fica pendente da venda que o dissolve numa incógnita. “Oxalá soubesse o destino da viagem”, murmura, com medo de que alguém o possa ouvir. E quem o poderia ouvir, se não sabe como foi feito passageiro de uma viagem que não tinha contratado? O rugir dos dispositivos supõe o estado da mecânica. São considerações acessórias. Se ao menos soubesse para aonde era a viagem e que paisagem poderia apreciar, talvez se levantasse o temível véu que ocupa o conhecimento. Talvez – e isto era o mais importante – alguém contasse por que a sua vontade era irrelevante. Não se diga que a liberdade respira quando a vontade é suprimida. Não se diga o mesmo quando a paisagem é escondida do olhar, como se fosse um segredo que importa resumir à negação de quem seria seu tutor. As mãos suam. Talvez seja do medo. Ou da saliva que seca na boca de onde se esperava que fosse manancial, remetendo a vontade para um verbo omitido pelo propósito de um qualquer algoz. Sente que a paisagem seria um dicionário inesgotável de prazeres para quem tanto se inebria com as sucessivas telas que acompanham o viandante. Mas tudo o que consegue pressentir é a paisagem emudecida. Os sonhos sem paradeiro têm essa linhagem. Desarrumam a mente, atirada sem contemplações aos vulcões iracundos, sem origem determinada, que fazem a questão de povoar o medo. Apostou que se acordasse do sonho, a paisagem começaria a falar com ele.
23.8.22
A paisagem emudecida (short stories #404)
Dirty Three, “Indian Love Song”, in https://www.youtube.com/watch?v=FMLQfJHJomE
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