Tanta era a fumarada que o ar se tornava irrespirável. Isto podia ser sentido há uns anos, antes de os fumadores terem sido proscritos do espaço público. Quem não se lembra de não poder incomodar um fumador que amesendava numa mesa do lado, para que a sua refeição não incomodasse o fumo do fumador? Agora reinventam-se obras literárias, expurgando as personagens que andavam com um cigarro ou um cachimbo a tiracolo. Se voltássemos atrás, talvez tudo pudesse ter sido diferente. Pediríamos aos nossos ancestrais, acusados do dolo da colonização, para não terem feito a extração de tabaco. Pedir-lhes-íamos para não terem a perspicácia de entender que as folhas de tabaco poderem ser fumadas (para além de mascadas, de onde não sobra grande pecado para a humanidade). Pediríamos – quem sabe? – para deixarem estar sossegadas outras plantas, para mal das conquistas lisérgicas e para bem de muitas mães. Em ato retroativo, poder-se-iam resgatar todas as vidas que foram levadas cedo de mais devido ao consumo de tabaco ou à exposição aos seus efeitos. Tudo à vontade dos novos hermeneutas, a quem seria atribuído o estalão dos tempos pretéritos para deles não se extraírem os sobressaltos que um passado mal resolvido açambarca. E não sabemos se teríamos de colocar um cachimbo no retrato de Balzac, pois não sabemos (sem adicionais pesquisas) se no tempo de Balzac os cachimbos já tinham sido inventados. O que sabemos, é que Magritte não seria sequer obra de arte por não poder ostentar o famoso cachimbo. Prosperem formas muitas de reescrever a História, para não se ofender o futuro com o seu legado. Ato contínuo, deixemos de ser vigilantes sobre a História, para ela deixar de ser uma apoquentação. Do estirador hodierno, a reescrita do passado. Eis a suprema aleivosia dos feitores dos novos tempos.
29.8.22
E se Balzac fumasse cachimbo? (short stories #408)
Lisa Gerrard & Marcello de Francisci, “Exaudia”, in https://www.youtube.com/watch?v=JUvetP6BpPc
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