Os idiomas teciam-se no fio fino que emparedava o labirinto. As pessoas não falavam os idiomas outros. Não precisavam. Tinham sangue e carne e ossos e sentiam coisas semelhantes, sem a tradução dos idiomas. Nesse quarteirão, uma amostra do mundo. Era como se todas as paredes fossem a filigrana que espelhava o lugar não recôndito em que se acolhiam as pessoas. Não medravam nas diferenças. Reconheciam-nas; as diferenças eram apenas o aviso cautelar da sua riqueza. No quarteirão, ninguém queria chamar a si a infâmia de um estatuto superior. Houve quem o tivesse tentado. Sabendo-se fora do lugar, deixados no lugar ingrato de párias, o único remédio que tiveram foi a ausência. Aquele quarteirão não era o lugar onde podiam basear uma pertença. Não foram a tempo de perceber que a colonização dos outros não tem lugar nos tempos estes. Pois este é o quarteirão que torna todos iguais sem uma só voz entoar a igualdade como princípio imperativo. Se os corredores do labirinto fossem as estradas que compõem a geografia do quarteirão, seriam feitas de veias compósitas e o sangue nele veiculado uma amálgama dos sangues vários das pessoas tão diferentes umas das outras. Todas as linhagens exibiam a diferença como pertença, em vez de anátema, em vez de a diferença ser tida como tal, uma mera e, todavia, quintessencial diferença. A diferença não chegava a sê-lo, mesmo que todos a notassem e nela se embebessem como raiz quadrada de uma pluralidade. Ninguém precisava de escolas para aprender a saber dos outros como fator da sua pertença. Os dicionários resumiam-se a um punhado de páginas. As outras palavras, as que ficavam de fora, tinha-as o quarteirão por adquiridas. Todos sabiam que, à força de o deixarem de ser, tinham sepulturas em que seria o mesmo o idioma em forma de silêncio.
10.8.22
Quarteirão (short stories #396)
Max Richter, “Sleep” (live), in https://www.youtube.com/watch?v=xuokTiBueNM
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