Não tinha estatuto: tudo era irrelevância, a começar na importância que imputava a si mesmo. Se fosse preciso, era capaz de jurar que a renúncia a um estatuto não era um recurso estilístico só para reivindicar um módico de atenção. Não era uma petição de princípio que pretendia obter o contrário do enunciado: não queria alcançar o avesso da irrelevância ao protestar, a seu favor, esse estatuto. Ficava tudo às claras. Não havia ninguém mais imparcial para a obtenção desse estatuto que era a antítese de um estatuto (se a definição de estatuto fosse aferida de acordo com os cânones). Não se livrava de uma inconsequência: um anti-estatuto não deixa de ser um estatuto. Todos temos um estatuto, ainda que queiramos que nos vejam nos antípodas de um estatuto. Diziam, em dissonância com a teoria que queria ser a sua marca registada, que não há imparcialidade que se anteponha num critério assim estilizado. Não é a atribuição de um estatuto de irrelevância, próprio de quem renuncia à sua importância, que serve de caução à imparcialidade. O ricochete das intenções desaprova o estatuto que se quer a antítese de um estatuto. Mesmo quando alguém propositadamente se menoscaba não pode arregimentar a imparcialidade a seu favor. Dizê-lo – “eu não tenho importância nenhuma – e dou-me bem com esta negação de estatuto” – prova a parcialidade que integra a intenção. Por mais que seja insinuado que se pertence ao escol dos não recomendáveis, alistando-se no património dos desexmplos, esse não é um farol de imparcialidade. Quando alguém se atira para o precipício onde se aviva a denegação de si mesmo, esse é um movimento de parcialidade. Pungente, eventualmente açambarcador de atenção alheia, como se a queda estrepitosa no fundo do precipício dê à vítima esse estatuto afinal por ele desejado. Ninguém é imparcial desta forma.
24.8.22
Imparcialidade (short stories #405)
Cage the Elephant, “Social Cues” (live), in https://www.youtube.com/watch?v=pA5VS-Ae--g
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