8.8.22

Exílio (short stories #394)

Ty Segall, “Hello, Hi”, in https://www.youtube.com/watch?v=u9-NIR3B_V4

          As vassouras esconjuram conspirações. Não se intimidam, os espíritos que se ocupam da sua atalaia. Se em vez de noite houvesse praias bucólicas, onde as almas se despojassem dos escombros que as inquietam, os dias seriam uma jornada abonançada. Só que as naus não asseguram as marés tranquilas que se prometem em sonhos. Em sonhos afinal miríficos. Talvez este seja um mar órfão. Um mar que não contempla os sonhos chãos e pede exílio. As almas sobressaltadas espelham o crepúsculo que as cerca: é como se houvesse apenas noite e a geografia só tivesse verbos de sombras (um longo inverno ártico). Sobra o exílio como possibilidade. Um outro mapa, onde o palco seja desconhecido, o idioma ininteligível, e a pura estranheza tome conta das veias enquanto o coração acelera perante a hipótese de angústia.  As pessoas dizem que ninguém muda de lugar sob o espectro da leviandade. E se a mudança medra no ímpeto da evasão, porque o lugar nativo deixou de ser hospedagem aceitável, tudo se descompõe por dentro. Tudo fica à mercê da contingência, e a contingência é uma possibilidade que ninguém consegue domar. O exílio é o aval para a faculdade da redenção de si. Nem que seja longe do lugar onde se cimentou a pertença, agora desfeita a uns meros vestígios que apenas se aparentam com o seu sentido original. O exilado procura ser alguém por fora da sua pele. Procura uma pele diferente. Num lugar incógnito, um mapa feito de indeterminações. Foge-se de um lugar que deixou de ser estalajadeiro. Essa pertença fica reduzida a escombros. Os estilhaços são recolhidos como remédio virado para o porvir. O exilado não desiste do futuro. Por isso é que se constitui exilado, na solenidade de quem desistiu de acreditar num presente e investe num, todavia incerto, futuro.  

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