2.8.22

Ludismo (short stories #391)

 

The Stranglers, “No Mercy”, in https://www.youtube.com/watch?v=7GndSz_0fB8

          Mandamento sem número atribuído: farás uso de palavras de entendimento corrente. Deixarás os ímpetos gongóricos para os que se atrevem a deambular pelo vocabulário hermético e a gramática emaranhada. A menos que, em rejeição do que peticionas, escorregares para a antítese do que te propões. Não percas o fio à meada – nem sucumbas à tentação da complexidade e dos étimos que têm sede de dicionário. A escrita é um exercício lúdico. Uma tábua de salvação contra o resto do tempo em que tens de mergulhar em torres de Babel e abrir caixas de Pandora. Mas subir a uma torre de Babel pode conter a sua própria adrenalina. Abrir caixas de Pandora pode ser edificante, um desafio atrás do outro como se fossem matrioskas. Às vezes, o jogo alimenta-se de palavras: umas vezes, de como se encaixam umas nas outras à mercê da sua musicalidade; outras vezes, o exercício lúdico serve-se de palavras cruzadas como se fossem a tradução de figuras de estilo. As palavras não precisam sempre de um sentido literal. Podem ser um alistar de vocábulos que se entrelaçam sem terem afinidade aparente. É preciso ir buscar o seu sentido umas frases à frente, deixando o seu sentido em sentido pelo tempo que for necessário. Matéria-prima de quimeras, fermento de sobressaltos contrariados, alavanca de sentimentos que exigem moldura própria; escrever, usando um estojo versátil que abarca as cores oferecidas pelas imensas possibilidades. É como deparar com uma porta fechada e não precisar de uma chave para a franquear. A serventia de abrir janelas é a pedra de toque que se espera. A sala aformoseia-se na diligência do critério. Não precisa da linhagem do produto dado à estampa para ser garantia da estética que valida a sala. Não se esperem labirintos se o texto se enraizar nesta cofragem. 

Sem comentários: