Não se diga da imprecisa dimensão do dia que não é moldura que caiba a qualquer um. Os oráculos deviam ser desmentidos, todos os dias. Como medida da silhueta do dia, são imprestáveis. A menos que um arremedo de sebastianismo se projete no futuro e, como dizia o poeta emblemático, só temos saudades do futuro. Com que propósito remexemos os despojos que vêm às nossas mãos? A herança das angústias havidas não providencia luminosidade sobre o tempo-destino. Quem deseja que o tempo por haver seja um ricochete do tempo que já teve a sua franquia? Historiadores de diversa cepa insistem (e não é por deformação profissional) que não somos dignos do tempo vindouro se negarmos um lugar ao conhecimento do passado. Podem os historiadores vindicar um quinhão de razão no imenso mapa em que se terçam os argumentos. Às vezes, é preciso fazer escolhas. Sopesar os diversos ângulos que se contestam e tirar a esquadria das recompensas e dos danos, visíveis ou invisíveis. E se, nessas vezes, a alma reivindicar a deslembrança do passado para que o tempo posterior seja fundeado numa âncora maior, acautelando o efeito ricochete do tempo pretérito, que seja vedado o protagonismo desse tempo. Pois a ninguém deve ser imposta a cédula do passado se ela deixar o selo da inquietação para memória futura. Ninguém deve ser confrontado com o imperativo do passado se ele tiver um lastro que hipoteque o tempo por haver. Devem ser desimpedidas as fronteiras do tempo sem o dorso arqueado pelo fardo do passado. Sem ser uma contingência que se deita sobre o futuro. Para que não seja refém de um tempo que teve existência, mas não volta a ser materializado. A não ser que se queira. A não ser que a aprendizagem seja uma palavra infundada.
22.8.22
Ricochete (short stories #403)
The Comet Is Coming, “Blood of the Past” (6 Music Live Room), in https://www.youtube.com/watch?v=tLCAE8JlYr0
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