Não tinhas medo de saltar para a parte da piscina onde não há pé. Mal sabendo nadar, mas não tinhas medo. Protestavas, com veemência, contra a hipoteca dos sentidos, um garrote que se afivela na liberdade (que dá sentido à vida). Não querias saber dos avisos do passado. Acreditavas na História; mas acreditavas mais na autonomia do ser, na capacidade para sair da opacidade e se transfigurar num avesso promissor. Não te dissessem que há cimentos preparados para a consistência quando a estabilidade parece ser a roda-morta que nos ampara. Não te dissessem que temos de ser precatados, sempre com o lenço da História a adejar sobre a disponibilidade mental. Não querias que da História sobrasse uma reserva mental que hipoteca a História escrita no futuro. Se assim fosse, não te arrependerias de propor a prescrição da História (não no sentido literal, para os ofendidos se desenfastiarem). As duas texturas do tempo fundiam-se. Que ninguém supõe ser alguém se obliterar o passado, não passa de um lugar-comum. Outro tanto não se pode dizer da História como umas algemas imorredoiras. Não querias deixar de ser o que serás no futuro apenas por ação (destrutiva) da descaução do passado. O futuro é como aquela parte da piscina em que não tens pé, sabendo que continuas a ser fraco nadador. A improvisação tem o seu lugar na gramática onde se movem as peças que importam. A improvisação traduz-se em transgressão, onde não há lugar ao medo. Poderás continuar a ser temerário, ousando mal nadar onde não tens pé. Não capitulas. Qualquer um se agiganta desde a fundura das suas fragilidades. Uns, desembaraçam-se e conseguem manter-se à tona. Outros, fazem das tripas coração e crescem, crescem tanto que a piscina deixa de ser um lugar onde não têm pé.
9.8.22
A prescrição da História (short stories #395)
Pale Blue Eyes, “Globe”, in https://www.youtube.com/watch?v=BGoD-xQxyNc
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