17.8.22

Desde a torre de menagem (short stories #401)

Pixies, “Vault of Heaven”, in https://www.youtube.com/watch?v=csTJW6A1174

          Ia a dizer “homenagem”, mas dei conta que estava preso na torre de menagem. Uma prisão voluntária, um cataclismo pessoal: em vez de “dar o corpo às balas” (no lugar-comum de que o povo é autor), enredei-me num exílio que soará a covardia. Mas as pessoas são como são. Ninguém me perguntou o que penso da afoiteza, se a considero digna da melhor linhagem humana. Veja-se o exemplo dos heróis que prescindem de si mesmos e (outra vez o lugar-comum) “entregam o corpo às balas”, sendo figurantes numa guerra em que nem sabem o que está em causa. O povo chamar-lhes-ia, com a sua tendência para a banalização semântica, “carne para canhão”. Este é o desiderato dos heróis? Prefiro, em metódica alternativa, empreender uma fuga para o interior de mim. Para um lugar longínquo, mesmo que fisicamente perto da sede dos problemas. A torre de menagem é um santuário, a avenida do exílio necessário. O lugar onde as palavras vãs são depuradas. É na torre de menagem que se confirma que as palavras loucas não chegam ao céu (no caso, à altitude irrepreensível da torre de menagem). Ao ser entronizada como santuário, uma certa beatificação levita como odor limítrofe da torre de menagem, influenciando as atitudes consequentes. A torre de menagem é a circunstância adequada para aquelas bofetadas que não agridem – encarnando o povo mais uma vez, as bofetadas de luva branca. Ou seja, uma certa beligerância desprovida de armamento pesado, pois uma luva branca, sem a mão por seu corpo, não é agressão que faça mossa. Por isso, não há lugar a homenagens na torre de menagem. O isolamento medicinal não deixa ver os outros. (E, assim como assim, a radialista que de si tem uma imagem cumeeira confessou desconhecer a expressão “velha Albion”.)

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