3.1.23

A masculinidade tóxica combate-se com feminismo tóxico?

Nell & The Flaming Flips, “The Ship Song”, in https://www.youtube.com/watch?v=0SwgrYF0rG4

Uma mulher, algures, protesta contra a propensão masculina para o adultério. Considera que o ónus do amor, ou da relação com um homem, é a armadura (chifres, diz ela) que as mulheres carregam na cabeça – algumas sem tomarem consciência da condição; outras, conhecedoras a eito. Os marialvas, em conversa de balneário ou numa roda de amigos regada pelos vapores etílicos que, por sua vez, dão asas à virilidade imaginativa, orgulham-se do que, para elas, merece abjuração. 

Não seria preciso advertir contra as generalizações para arrumar o protesto daquela mulher. As generalizações ocultam as muitas exceções que, talvez, nem sequer cheguem a ser exceções, antes, comportamento padrão. Contra a boçalidade da conversa de balneário, ou contra as rodas de amigos em que concorre a fanfarronice que disfarça outras fragilidades inconfessáveis, ergue-se uma legítima lei de bronze: não pactuarás, não pactuaremos, com a masculinidade tóxica. Di-lo um homem (o abaixo assinado): aos soezes espécimes do ecossistema da masculinidade tóxica desejo o dobro daquilo de que se orgulham lídimos praticantes. Elas têm tanto direito à poliandria como eles se supõem zeladores da ufana poligamia. 

Ora, a abjeta masculinidade tóxica não se combate com uma toxicidade de sinal contrário. Arrumar todos os espécimes do sexo masculino numa indiferenciada cáfila de adúlteros é exagerado e injusto. Sem contar com a ilegitimidade da acusação, pois que homens haverá que são adúlteros sem colherem mulheres como vítimas da seiva do adultério. Quanto aos demais varões, será excessivo, e não representativo, que todos, ou um exército numeroso deles, tiraram bilhete no Nirvana do adultério, incapazes de se regerem pelo mandamento divino da monogamia. 

Que fique registado, para os efeitos que interessarem, que me exprimo em nome próprio. Não tenho como usar uma metodologia de recolha de dados que seja à prova do logro (dos inquiridos) – nem julgo ser admissível interpelar cada homem tentando apurar se já cometeu adultério. O que me causa espécie é a propensão para a generalização (neste assunto; mas vale para qualquer outro). Não ponho as mãos no fogo pelos outros. Nem quero parecer advogado de defesa da masculinidade, e de todo da que se encerra nos curros da toxicidade. Mas também não aceito as tábuas rígidas das que denunciam a masculinidade tóxica e, ato contínuo, arregimentam todos os homens na indignidade do adultério. 

Poderão contrapor, as defensoras deste método radical, que grandes males exigem grandes remédios: por cada grama de masculinidade tóxica extinta, legitimam-se toneladas de feminismo também ele tóxico, à sua maneira. Não aceito a equivalência, por mais que a masculinidade tóxica seja repugnante. Às vezes, estas generalizações podem corresponder a um salto argumentativo semelhante a um boomerang. Ou, como dizem os franceses, “honi soit qui mal y pense”.

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