O dedilhar das cordas de violino. O ressonar de um gato, prova viva de um sono paradigmático. A neblina que repousa nas colinas, embaciando o verde da relva que até então resplandecia sob a custódia do sol. O amontoado de paráfrases, testemunho da desoriginalidade da espécie – e, então, o fruir das imperfeições, a sua assinatura genética. O coro emudecido a falar mais alto do que a cacofonia dos mandantes.
No dia seguinte: a janela do comboio, devolvendo a paisagem consentida. As mãos entrelaçadas, fusão que não precisa de verbos. A colossal montanha que tutela a cidade. As vozes nada estremunhadas que enxameiam o lugar com um postulado transalpino. Sem gaguez, sem a melancolia própria dos austeros nativos. As linhas contíguas que amparam um desequilíbrio estrutural, omitindo-o. Uma tomada de consciência: a filosofia do desmedo não transige com meias palavras nem com hesitações datadas.
E os dias consecutivos: um miradouro que desenha as estrofes centrípetas. O mar sem ondas, uma farsa benévola. Os olhos desamputados de preconceitos. A literatura (alguma). Os espelhos retrovisores que navegam no caudal de um rio nascente. A madrugada, imperial. A maresia que se agiganta contra o muro do silêncio, compondo uma gramática que vive por dentro das veias. O sangue a preceito, desangustiado.
A ideia enraizada de que o tempo não tem fim. Que o mundo não tem fim, como se fosse a negação de Copérnico. As lições da vida colhidas em peças de teatro. O majestoso magma que esconde a grandeza da existência, contrariando o princípio geral da insignificância. O galeão que espera fundear no cais autorizado, e toda a tripulação ansiosa por sentir o calor da terra firme, o calor dos corpos que nela habitam, dos corpos que possam neles habitar. Os ossos que contrariam a rarefação do ar. A neve articular, um trono que pertence a cada audaz que sobe à cumeeira.
A morte (que) não entra no dicionário. O dicionário que não enjeita as palavras interditas, as palavras insubmissas, as palavras que são como beligerância. Pois a vida também é feita de contrafação. De contratempos. A perfeição não é a medida desta vida. Saber dela é tornar puro o que é impuro. A morte, a tremenda bomba relógio sempre à espera de estourar por dentro do corpo, não conta. Ela mata-se a si própria. O deixar de fazer sentido exalta o peso incomensurável da vida. Depois dela, tudo deixa de existir.
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