5.1.23

“Mãe, já sou ministro!”

Nils Frahm, “Says”, in https://www.youtube.com/watch?v=S4EHG0wiUms

(Carta aberta do jovem ministro à sua querida mãezinha)

Querida mamã, espero que esta te encontre bem, pelo menos tão bem como me sinto hoje, após ter acabado de receber o convite do Exmo. Senhor primeiro-ministro para assumir um ministério. Imagino-te, coberta de orgulho e, ao mesmo tempo, incrédula. Eu, o sempre rebelde, aquele que estava sempre atrás na fila dos privilégios, cheguei a ministro! Quem diria? Bem te disse que não me devia filiar no Bloco, quando decidi dar um abraço à política. O PS é o partido certo. O partido do Estado e, por consequência, o partido do país, sem o qual o país não se revê na sua ontologia moderna.

Também imagino as tuas preocupações, sabendo, como sei, que o meu feitio não é dos melhores. Tu o dirás, não sem que eu concorde com o diagnóstico. Tenho-me apenas como irreverente e não precisarás de me advertir, como a devida antecedência, que devo moderar a irreverência porque ela não quadra com a solenidade das funções que passo a exercer daqui a um par de horas, com a pose de estadista exigível a um ministro. Farei os possíveis, mamã. O meu sangue é geneticamente fervente. Sabes a dobrar: sou assim, como o papá o era. Mas farei os possíveis.

Tenho de sossegar a tua angústia: saberei ser um homem de Estado e deixarei de usar linguagem de taberna quando, lá atrás, me envolvia em pelejas digitais com os meus adversários (que são sempre adversários do primeiro-ministro, do partido, do Estado e, por consequência, do país). Juro que não aproveitarei os tempos livres para mergulhar no submundo das redes sociais e desatar à pancadaria virtual com os nefastos inimigos do país (e do Estado, e do partido e, por consequência, do senhor primeiro-ministro e da sua inestimável condução do país). À conta da verve badernista que não sai do espaço virtual tenho livrado o corpo de umas quantas nódoas negras, de umas quantas cicatrizes que seriam dolosas para a minha elevada estética. Lembras-te como fui sensato naquela terreola perdida nos confins do Trás-os-Montes, quando uns néscios (de certeza instigados pela direita) quiseram acertar contas comigo? Lembras-te como fui senhor de uma lucidez que desconhecias e, com o diz o povo, dei às de Vila Diogo?

O meu destino é ser uma figura resplandecente no governo, agora que serei ministro. É agora, e de vez, que vamos estar na Europa, com uma rede de ferrovia (perdoa o tecnicismo: a palavra está na moda e eu sou de modas) comparável aos países mais avançados. É agora, e de vez, que a TAP vai deixar de um presente envenenado (juro; só ainda não sei como, mas sinto-o tanto). 

Sabes, mãe? Sinto que sou maior do que o meu tamanho. Daqui para a frente ainda há uns degraus para subir. Eu quero subi-los. Quero dar o meu contributo para modernizar o país e para o tornar mais socialmente justo. Quero enterrar a direita numa arca onde se ocultam as desmemórias. Até estou disponível a fazer de conta que não gosto da moda e de me apessoar – mas, que raio, não deve um ministro andar apessoado? Pasma: até comecei a usar gravata!

Sinto, minha querida mãe, que este é a alavanca para voos (ainda) mais altos. Ainda há mais montanha para trepar. Agora tenho a certeza que o messianismo não é em vão. Não moderes as esperanças em mim: ainda há mais estrelato para abraçar este teu querido filho, que de ti se despede com o amor filial de que és conhecedora.

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