Iggy Pop, nos seus setenta e cinco frenéticos e ainda excêntricos anos de vida, dá-se ao luxo de fazer confissões controversas e os dias continuam a correr sem sobressalto, para ele e para os outros, que baixam a guarda no seu papel (autoatribuído, contudo) de juízes da moral que os outros devem seguir.
Numa parceria com os Underworld, Iggy Pop participa o seu desgosto com a evolução das viagens aéreas, lamentando, com a nostalgia de um septuagenário que surpreendentemente veste a máscara conservadora, que hoje não se pode fumar dentro dos aviões. Iggy Pop arremete pelo politicamente incorreto. O tabaco está proscrito, apesar de não haver a coragem de o ilegalizar, talvez porque os Estados se abotoam com fartas receitas fiscais, enquanto fazem de conta que exercem um papel paternalista e procuram, com imagens terroristas pespegadas em maços de tabaco, dissuadir os tabagistas de se matarem lentamente. Tão proscrito está o tabaco que até há personagens de banda desenhada que eram inveterados fumadores e se submeteram a um momento estalinista de defenestração tabagista.
Iggy Pop confessa que tem saudades de fumar dentro de um avião, quando os viciados em nicotina se aglomeravam na parte de trás, junto às casas de banho. Também tem saudades de galantear hospedeiras, possivelmente incorrendo no crime se assédio, se aferido pelos cânones contemporâneos. A sorte de Iggy Pop é que, naquela altura, cortejar hospedeiras não dava direito a uma queixa por assédio. (Não me tresleiam: o movimento “#MeToo” faz todo o sentido.)
Na mesma canção (“Bells & Circles”), Iggy Pop conta, com detalhes deliciosos, como ficou embevecido com uma certa hospedeira. Querendo pedir o número de telefone da hospedeira, só encontrou uma maneira de desafiar a incorrigível timidez (e ficámos a saber que Iggy Pop era tímido): inalar um grama de cocaína que espalhou metodicamente na mesa diante do seu assento. (Mas arrependeu-se: ficou tão inebriado com o pó aspirado que perdeu o número de telefone da hospedeira – e arrependeu-se porque vaticinou que a hospedeira era melhor do que a cocaína...)
Para registo instrutivo das criancinhas, convém esclarecer que se fosse eu, um cidadão tão anónimo como todos os cidadãos anónimos, a consumir cocaína (esporadicamente ou de forma assídua), não o deveria confessar em público. Não por ser crime, que o consumo de estupefacientes não é crime; mas por constituir um crime ainda maior, que é o da exposição à “censura social”, essa tão implacável espada de Dâmocles urdida por tantos polícias dos costumes. De mim diriam ser um drogado – menos os que admitem que a cocaína é uma droga feérica, um fator de pertença às altas camadas sociais – , com o que o epíteto tem de depreciativo. Mas se aos costumes Iggy Pop, na sua irreverência, diz nada, os costumes parecem estar adormecidos (ou serem especialmente indulgentes) quando Iggy Pop confessa ter consumido cocaína.
(Ou então, petizes, isto tudo é só para admitir a inveja de Iggy Pop...)
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