Como se pode ensinar geografia aos petizes se são os graúdos que mais entorses cometem? Chame-se Volta à França se a Volta à França decorrer na França. Chame-se Paris-Dakar se os concorrentes fizerem a ligação entre Paris e Dakar. Da mesma forma que os campeonatos das modalidades várias que são partilhados entre um ou mais países levam com a designação dos países organizadores. Ou como o Rock in Rio se chama Rock in Rio em Lisboa quando os concertos acontecem em Lisboa. Para densar o mistério: Wimbledon, Le Mans e a regata Sydney-Hobart nunca saíram de Wimbledon, de Le Mans e dos mares entre Sydney e Hobart.
Ou então, se a Volta à França começa na Holanda e faz uma incursão num pedaço de Itália, chame-se-lhe Volta à França e a mais alguma coisa. E se o Paris-Dakar não começar em Paris nem terminar em Dakar, dele se diga que é o Paris-Dakar na Arábia Saudita, como dantes se diria ser o Paris-Dakar na Argentina e no Chile. Para não se ofender a geografia e não confundir os dela menos conhecedores, que poderão ficar desorientados ao saberem que a Volta à França andou por estradas italianas e que o Paris-Dakar começou em Mendoza, Argentina, e terminou em Santiago do Chile, sem que algum destes lugares seja na Europa ou em África.
Não é por ser cosmopolita que estes acontecimentos que têm um bússola geográfica registada mas metem a colherada noutras latitudes e longitudes são menos excêntricos. A adulteração geográfica abraça-se à modernidade que esbate fronteiras e funde territórios, saltando as inconvenientes fronteiras. É de louvar que este exercício de cosmopolitismo convença os cidadãos futuros que foi a defesa intransigente das pátrias que levou muitos antecessores seus para o túmulo. Fronteiras desfeitas e territórios fundidos são a exaltação de uma paz quase sempre depreciada lá atrás – e hoje também.
Que sejam dados novos nomes aos eventos que sempre foram conhecidos por terem uma determinada filiação territorial. Para que a geografia não seja enganada e, com este logro, uma numerosa fação se convença de erradas convenções geográficas. Para os desconhecedores, nem Paris nem Dakar estão na Arábia Saudita. E o pedaço de terra italiana que é percorrida pelos ciclistas da Volta à França não decidiu pela secessão, juntando-se à França. Mal por mal, quando vem a Lisboa, o Rock in Rio inclui a menção do franchising geográfico. É como se fosse uma extensão do produto. Sem ofender a geografia e enganar os descuidados com a geografia.
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