Todos somos, alguma vez, perdedores. E só temos a ganhar em assumir que perdemos algo, sobretudo quando é a honra, a dignidade, ou apenas a imagem que temos de nós mesmos, que integra a equação. Contrariando os oráculos afinal desavisados, o ridículo não mata. E, se não nos mata, não deve ser a imersão no ridículo que nos apouca.
Podemos ser o protótipo do elefante numa loja de porcelana: podemos derrubar o copo de cerveja que, ato contínuo, desagua aleatoriamente em peças de roupa (do desastrado, ou, o que piora o diagnóstico, da pessoa acompanhante); podemos abrir a boca para bolçar as palavras que nunca deviam ser ditas naquela circunstância e àquela pessoa, ficando com o ónus de todos os demais olhares exercendo um escrutínio censório, razoavelmente censório; podemos ir distraídos na rua e tropeçar num seu pedaço escorregadio, aproveitando os demais para esboçarem um sorriso irreprimível; podemos, se formos artistas de diversas artes, ter o desassombro de fazer arte risível que, talvez por assim ser e por haver críticos empenhados em distribuir prebendas pelos que seriam outrossim vítimas de bullying, alimenta os encómios dos críticos e de quem os segue acriticamente.
Podemos ser tudo aquilo e não dar parte de fraco. Não somos devedores da prostração se derrubarmos o copo de cerveja, se bolçarmos as palavras inoportunas, se cairmos na rua enquanto palco diante de tantos outros, se formos artistas risíveis. Pois todos, sem exceção, já teremos sido apanhados em contramão no amplo estuário do disparate momentâneo, em que somos irremediavelmente desastrados. Contrariando a severidade dos muitos puristas que enxameiam os diversos lugares, não devemos ficar abatidos.
Devemos fazer das fraquezas forças e dar a volta por cima. Devemos levantar a mão logo após derrubarmos o copo de cerveja, para todos os olhares limítrofes depressa se certificarem quem é o desastrado de serviço. Devemos levar essa mesma mão ao peito logo a seguir a bolçarmos as palavras que exatamente não deviam ter sido ditas, para os atingidos (e os demais, céleres no exercício do repúdio) se certificarem da imediata exculpação. Devemos ser os primeiros a aplaudir a nossa queda estrepitosa na rua, em antecipação ao sorriso de escárnio dos perfeitamente equilibrados. Devemos ser B Fachada ou Manuel Fúria quando nos apetecer, mesmo que sejamos os primeiros a atirá-los para a reserva denominada de origem da inestética musical.
Porque todos temos direito a ser, num momento que seja, B Fachada ou Manuel Fúria (tal como os próprios).
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