10.1.23

As tílias do senhor tutor

Mona Linda, “Sr. Robado”, in https://www.youtube.com/watch?v=GwDUqZfUK-A

“Se vierem, não venham.” 

Excerto da peça de teatro “Tratado, a Constituição universal”, de Diogo Freitas.

E se rematassem a descontratação dos que foram contratados para falar em nome dos, desse modo, representados? Ficariam estes deslegitimados?

As perguntas não saíam do horizonte. Em silêncio, percorriam o sangue, quase em ebulição, das pessoas sem teias na lucidez. Se não estão a par com a responsabilidade, mandariam os cânones da interior exigência que os ineptos devem vagar o lugar. Em vez de fingirem que estão de atalaia e tutelam o interesse geral, disso não dando cumprimento.

A descontratação é o mínimo exigível. Quem treme de medo não está à altura. Não tem condições para tomar o leme, a não ser que a intenção seja navegar por cabotagem (na hipótese mais generosa) ou deixar a nau entrar em errância vogal (na hipótese mais agressivamente desconfiada). A chave mandatada corre o risco de enferrujar, ou até de se tornar irremediavelmente inútil. A estes tutores que mais parecem interinos, ofereça-se, em gesto de autocomplacência, a porta da saída. Usando a porta dos fundos. Sua é, e notória, a falta de serventia.

À frente do gabinete do tutor-mor, as tílias apodrecem e não é de uma metáfora que se fala. A terra foi apestada pelo inquilino. As tílias embebem na sua seiva o espírito dominante dos vultos que açambarcaram o palácio. Elas não entendem a errância, a desconjuntada verve, as hesitações que confirmam a bússola arruinada, o dano como ónus; não transigem com a arrogância continuada. 

Todavia, como há gente que nasceu destinada para a sorte, as pessoas interrogam-se: e depois deles, quem virá? As pupilas inturgescem com a consciência do ermo lugar em que este se tornou. E o senhor tutor-mor escorrega vaidosamente no cadeirão, em pose soezmente imperial, sabendo que depois dele só um delfim diligentemente escolhido terá direito à coroa. Se já há quem argumente que só estes tutores podem conservar o segredo da chave, antes se decrete o resultado antecipado de todos os escrutínios e, de caminho, condene-se ao degredo os que insistirem em preferir os que timidamente se alistam como alternativas.

Um lugar destes, com tutores desta linhagem e tílias assim apodrecidas, nem merece sê-lo. Não há deserto que seja pior.

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