Podemos ser turistas sem contar. Sem sair do lugar onde vivemos. Só se exige a rutura com preconceitos e reservas mentais e ideias feitas. Só se exige que o olhar não esteja ensimesmado, apontando para o chão, como se no chão encontrássemos as respostas para as angústias que povoam a existência na cidade. Devemos ser turistas. Independentemente do lugar em que nos encontrarmos.
Devemos elevar o olhar a fingir que não somos nativos na cidade em que vivemos. Fingiremos que somos forasteiros, apesar de sabermos que não somos. É indesculpável que um forasteiro tenha ido a lugares que o nativo só conhece de nome (ou nem isso). Parece que existe uma desobrigação de sermos forasteiros na cidade em que vivemos; parece que não temos a obrigação de conhecermos a cidade como se das nossas mãos se tratasse. Fingimos que a conhecemos e nem nos conhecemos a nós mesmos.
Não fosse pela metáfora, perguntar-se-ia: e quem conhece de cor as palmas das suas mãos? Do mesmo modo que não seríamos capazes de desenhar, de olhos fechados, o mapa que as palmas das mãos contêm, sem sabermos já somos forasteiros na cidade em que moramos. E não damos um passo para alterar o estatuto. Agarrados ao preconceito do sedentarismo intelectual, convencidos que somos tutores da cidade em que vivemos, desobrigamo-nos do seu conhecimento. Não fomos a monumentos que constam do roteiro que os turistas obedecem. Não sabemos o nome de certas ruas. Não temos ideia da onomástica das ruas da cidade. Não sabemos os nomes que habitam a estatutária que ocupa lugar centrípeto em praças e avenidas. Confirmando-se o nosso estatuto de forasteiros do lugar em que julgamos ser impensável sermos forasteiros.
Ser forasteiro na sua cidade exige um passo prévio: a emancipação das amarras mentais que impedem conhecer um estatuto de outro modo considerado ilegítimo, impossível. Não está em causa reconhecer o estatuto de forasteiro; apenas conhecê-lo, saber da sua existência, mesmo contra os oráculos à prova de dúvida. A partir daí, estamos em igualdade de condições com os turistas que pisam o chão da cidade pela primeira vez.
Não é vergonha ser forasteiro na sua cidade. Quem diria que podemos aprender com os turistas que acabam por ser menos forasteiros do que nós?
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