16.1.23

O futuro do futuro (short stories #415)

Tears for Fears, “Shout”, in https://www.youtube.com/watch?v=Ye7FKc1JQe4

          O tempo é sujeito dos objetos esculpidos. O tempo antes do tempo não é bom conselheiro. Mas um numeroso contingente procura levantar o véu ao futuro, como se fossem voyeurs infringindo a contingência. Querem ter uma ideia aproximada do futuro. Desconfiam da viabilidade do presente e concebem a hipótese de viverem três passos à frente dos demais (que devem ser uma multidão, a julgar pela generalização dos oráculos). Intuem a possibilidade de forjarem o tempo antes de ele ser. Uma profecia que corresponde a um desejo, como se o tempo fosse património exclusivo de quem se julga seu escultor. Não se sabe que futuro tem o futuro. Não se sabe se o futuro se importa com o seu futuro. E, no entanto, gente comezinha perde-se no labirinto da memória futura, desfazendo-se num nada de quem passa ao lado do tempo que é presente. O futuro é aquilo que nem o futuro sabe o que é. Se fosse para o adivinhar, não se chamava futuro. Viveríamos despojados dessa dimensão do tempo, perpetuando o presente como se fosse o particípio passado de um futuro que não chega a acontecer. Se este é o futuro do futuro, é mais um incentivo para as pessoas tirarem do sentido a ciência do pressentimento do futuro. Pode haver quem se sobressalte ao saber que não sabe nada sobre a página do tempo doravante. A contingência e a incerteza somam o peso morto de insegurança. Há quem não saiba conviver com a insegurança. Ato contínuo, deitam-se ao futuro. Como se fossem os seus astrólogos e os vaticínios coabitassem com os desejos interiores, transfigurados em concretizações a destempo e sem materialização. Este é um futuro sem futuro; um futuro adulterado, que mal se julga adivinhado é dissolvido na penumbra. As pessoas deviam-se esquecer do futuro.

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