13.1.23

O preço certo do corrupto

The Dandy Warhols, “Get Off”, in https://www.youtube.com/watch?v=ON6pn6suSzc

Um jornal de grande circulação traz na capa: um autarca, apanhado na teia da corrupção, vendeu-se por vinte e cinco mil euros. A ambivalência das palavras por vezes sequestra os jornalistas, que nem dão conta do risco de serem treslidos. À primeira leitura, o título dá a entender que o autarca se desgraçou por uns míseros vinténs. 

Devia haver um preço mínimo para ser corrompido. É voz corrente, entre o povo menos dado aos punhos de renda da filosofia moral, que para ser corrompido, que seja por uma verba que arrume a vida, e para bem, de uma vez por todas. Talvez este devesse ser o critério: é preciso medir o benefício proporcionado pela corrupção contra o risco de ser apanhado em falso. Para uma pessoa borrar o rosto com a sanha da corrupção, que seja por um valor que compense o risco (até porque a justiça anda depressa como uma lebre, quando anda...).

Arrisco um contributo suplementar para a epistemologia da corrupção: a medição seria feita em função do acontecimento que dá origem ao ato corruptor. Se a obra pública a concurso é pequena, não se justificam luvas avultadas; se for daquelas infraestruturas que recebem gordo subsídio da União Europeia, justificar-se-á que as alcavalas pagas pelo corruptor enxertem fartos sinais de abastança no património do corrompido. Os riscos assumidos devem ser aferidos pela bitola do que está na origem da corrupção.

Proponho, ainda, que a aferição não seja proporcional à dimensão do objeto a concurso e ao valor das alvíssaras deixadas em envelope sob a mesa. Quanto maior for a dimensão do que alimenta a corrupção, o pagamento não declarado deve aumentar mais do que proporcionalmente. Não é o mesmo ser utente dos calabouços por ter recebido dois mil e quinhentos euros ou dois milhões e meio de euros como paga pelos especiais favores. O segundo corrompido irá cumprir pena de prisão mais demorada. Eis a dimensão dos riscos que os corruptos devem estar preparados para assumir. 

Tive um professor na universidade que confidenciou, enquanto aguardávamos o comboio, que toda a pessoa é um alvo potencial de corrupção. Depende do preço que o corrompido estabelece. No seu caso, o preço foi tabelado com excêntrica ambição: fazerem dele rei de Inglaterra. Quem ler precipitadamente a capa do jornal de grande tiragem concluirá que o autarca se vendeu por meia dúzia de tostões. O povo dele dirá que foi pelintra em descausa própria, pois o povo, tão sapiente, tira da cartola a sublime advertência: já que era para se enodoar, que fosse por um dinheiro que se visse.

Quero acreditar que o jornalista que fez a capa do jornal foi vítima involuntária da ambivalência das palavras. Ou então, sou muito ingénuo.

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