8.2.23

Desalmadamente

Yard Act, “Rich” (live from the Brudenell), in https://www.youtube.com/watch?v=JJYX-tQxRIQ

Esta é a casta que traduz a vida, um corredor estreito onde a velocidade se embebe na vertigem de uma montanha russa. Esta é a clepsidra que dita o andamento, um remoinho de onde se soergue o olhar voraz, o poema feito em contínuo. As montanhas não são obstáculo. Os rios são o vocabulário da paz interior que se abriga nos bucólicos recantos que ornamentam as suas margens. 

Este é o vulcão que desadormece a vida para os encantos por revelar. A pedra espessa que se oferece aos pés nunca cansados, por eles feito o mapa que é o sortilégio empunhado com um orgulho que não se disfarça. O vulcão de onde são arrancadas as palavras, arrancadas a ferro, como se de um parto a fórceps se tratasse. As palavras que se sublevam contra o silêncio suicida. As palavras de outro modo suprimidas, pelo temor, pelo vagar com que se contamina o tempo breve. As mãos vão ao fundo do vulcão, entram pela cratera e esquadrinham as suas entranhas, sem medo da lava iracunda que espera para bolçar à superfície, rasgando o chão com o seu sangue incandescente.

Este é um saber estar, desalmadamente, como se não houve bainhas para o ser e o caudal do rio transgredisse as margens, ocupando os lugares avulsos – e ao rio fosse permitido redesenhar a geografia, subindo ao trono de onde tudo se comanda. Um dote de rebeldia insuspeito interrompendo os códigos de conduta que amestram as almas que não podem ser desalmadas. As constelações artesanais, moldadas com as mãos enrugadas de quem muito andou e demanda outro tanto por andar, ilustram as páginas de uma biografia muda. À biografia, deixa-se que fale por si. Dourando a pele de outro modo pálida, irrompendo contra a letargia que tende a colonizar os dias com a indiferença. A biografia cauciona a tensão que investe contra a solidão.

É o ser desalmadamente que conspira contra as conspirações que atentam contra a diligência de uma vida que se completa. Sem se intimidar com os muros alcantilados do fiorde onde se comprime; o fiorde é a sua janela de oportunidade, o arbítrio posto à prova contra o sacrifício de um colete-de-forças. Até que o futuro seja emancipação dos contratempos e desmobilize das catervas que ditam os códigos de conduta. Pois ser desalmadamente é o magma de onde se extraem os pólenes que despurificam as intenções beatíficas.

Sem comentários: