Mote: “PSP apanha ladrão de perfumes na Madeira”
Tanta era a generosidade que não hesitava nas consequências dos atos possivelmente ilícitos. Os benefícios compensavam os riscos. Desta filantropia, uma filantropia original, não o podiam acusar: roubava perfumes para oferecer a quem passasse. Com a condição prévia de sentir um odor nauseabundo e, por esse motivo, a oferta de um frasco de perfume vinha a propósito.
Mas um furto era um furto. Crime, adverte o Código Penal. Por mais que esbracejasse a sua original filantropia, e os ganhos que a sociedade capitalizava por o ar ocupado deixar de ser pestilento por ação dos perfumes generosamente oferecidos, os polícias dos costumes andavam no seu encalce. As lojas da especialidade tinham o seu retrato robot. Já não eram vítimas da sua delinquência como dantes, antes de se tornar conhecido por todos os comerciantes do ramo e pela polícia.
Para não deixar de ser generoso (para quem precisava urgentemente de se perfumar; e para a coletividade, em geral), recorreu à imaginação para não se apanhado em falso. Disfarces, já tinha inventariado uns quantos. A imaginação era um viveiro interminável. Conseguia inventar mais um disfarce que estendia por mais algum tempo a delinquência a favor da coletividade.
Um dia, foi apanhado. Não fora tão diligente no disfarce e um comerciante telefonou para a polícia, às escondidas. Foi capturado em plena atividade delituosa (na linguagem gongórica dos advogados, juízes, delegados do ministério público e seus pueris aprendizes). Levado a tribunal, começou por admitir os delitos: era verdade, levara sem pagar sabia lá quantos frascos de perfume (perdera a conta). Alegou, em sua defesa, os préstimos à comunidade. Ninguém gosta de habitar um lugar pútrido, ou conviver com alguém num espaço fechado se essa pessoa tem uma perspetiva homeopática da higiene, ou se apenas se dá o caso de uma insuficiência hormonal conspirar contra a pessoa, exalando um odor desagradável. Alegou que não retirou qualquer proveito dos furtos: tudo o que levou de lojas de perfumes foi oferecido a gente que passava e que precisava de se perfumar.
O juiz não ficou convencido com a retórica do ladrão de perfumes. Um crime é um crime e as leis devem ser aplicadas, mesmo que o ladrão invocasse a seu favor o que tinha invocado. Ao sair da audiência, o ladrão de perfumes balbuciou: “senhor juiz, sendo levado para o cárcere deixarei de perfumar esta cidade. V. Exa. seria um candidato à minha filantropia – queria que interiorizasse isto que acabei de dizer”.
Sem estar em julgamento, a não ser o da vergonha social, o juiz alegou em sua defesa, de si para si mesmo (que a sala de audiências já estava vazia): “tomo só dois banhos por semana para poupar água. E não é para poupar uns míseros dinheiros; é porque sou ambientalista”.
O ladrão de perfumes já não ouviu a justificação do juiz e não podia verificar se era argumento ou pretexto.
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