The Smiths, “Bigmouth Strikes Again”, in https://www.youtube.com/watch?v=yoKQwquHKQo
Haveria de haver, nem que em matéria onírica, um tempo apenas de estrada. Uma estrada sem obedecer a mapas e a roteiros. A única ordenança seria a ausência de rumo, deixando que fosse a estrada e as demandas que surgissem a cada momento a ditarem o caminho.
As estradas seriam o único mandamento. Ao acaso, metendo pelas estradas secundárias, por outras que se suspeita não tenham paradeiro nos mapas, e outras que fugissem do asfalto em direção à solidão, onde a sumptuosidade da paisagem toma conta do idioma. Sulcando quilómetros sem inventário, preferindo os lugares nunca demandados, como se houvesse um chamamento pelo desconhecido. Sabendo que o desconhecido, depois de deixar de o ser, fortifica as ameias onde se cimentam os esteios interiores. Refazendo as coordenadas que são regência, para continuar a considerar desconhecidos lugares só ao de leve conhecidos.
Ao acaso, sem planos, sem fazer ideia onde pernoitar, onde saciar a fome, a não ser o irreprimível desejo de uma larga temporada a ser forasteiro, a ser peça centrípeta do acaso. Deixando que o nómada rejeitado pelo acostumar dos lugares e do tempo repetido derrote o conformismo, deixando em lugar da apatia a sede maior da estrada. Pegando em todos os pedaços angariados ao longo da estrada para perceber que a bússola não é tiranizada por um quadrado que a cinge à pequenez castradora.
Estrada fora, ao encontro da alma mais funda, a alma anestesiada pela mesquinhez que roça o quotidiano. Uma fuga, com laivos de exílio necessário. Deixando que a estrada seja porta-voz das vozes interiores que forem sendo desembainhadas. Como se a estrada fosse o arnês para derrotar a capitulação dos dias restantes. E devolvesse o ar puro que foi sendo furtado pelo corrimão habitual de que as mãos se servem, sem darem conta de como está corrompido.
Pela estrada fora, sem saber onde está a casa da chegada. Sem saber como e quando costurar o regresso. E o legado deixado para memória futura, com a bênção das diferentes geografias, dos diferentes idiomas, das pessoas da mais variada estirpe que tenham sido atores nas palavras permutadas. Sem saber se a casa da partida é a casa da chegada.
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