As árvores sentadas riam dos dias consecutivos. Riam das pessoas afadigadas. Riam do sol que tem por sua conta o alicerce do mundo e é ao mesmo tempo a sua espada de Dâmocles. As árvores estavam sempre sentadas. Em todas as paisagens do mundo. Riam. Riam como se não soubessem que amanhã iam continuar sentadas. Algumas pessoas acusavam as árvores de serem arrogantes. Eram os dendroclastas.
Se alguém escrevesse uma antropologia das árvores, ela seria sobre a quietude e a inércia, como as árvores atravessam todas as fases da vida sem se dar conta. Até o riso é disfarçado, como se fosse uma vírgula assestada no nevoeiro e o silêncio escondesse esses risos plangentes. Das árvores se diz que morrem de pé, mas é um lugar-comum. Muitas morrem mordidas pelo fogo malfeitor, elas à mercê da língua de fogo, sentadas sobre o seu próprio sentar, impedidas de fugir. Não há seres vivos assim. Não nos devíamos rir das árvores, da sua tão imensa perecibilidade, desta fragilidade que opõe a avantajada dimensão à incapacidade para fugirem de um elemento agressor. Outras, acabam metamorfoseadas em papel, servis aos homens.
Um dia, um rapaz disse na escola que as árvores vão até ao infinito. Julga-se que falava de uma metáfora antes do tempo (naquela altura o rapaz nem sabia que metáfora era uma palavra inscrita no dicionário). A professora desafiou-o: “por que dizes isso?” O rapaz não se deteve na hesitação e disparou: “quando vou para a aldeia, a estrada das mil curvas atravessa uma floresta e as árvores nunca mais acabam.” Uma menina sentada três filas atrás perguntou ao rapaz se essa era a definição de infinito. O rapaz rematou: “o infinito é onde eu deixo de ver as coisas.” A menina não ficou convencida: “o infinito é o lugar onde tu deixas de ver o cometa que rasga o céu.”
As árvores continuam sentadas na sua majestática pose. Aquelas que possuem copas frondosas, que se abrem como um benévolo guarda-sol. O filósofo amador desafiou as convenções e insurgiu-se contra a ideia de guarda-sol – ou, melhor dizendo, contra a expressão “guarda-sol”: se o chapéu nos protege do sol, por que se insiste em dele dizer que guarda o sol? Estas minudências da semântica não são para aqui chamadas (terá concluído o filósofo amador, já extenuado de tanto pensamento especulativo). Ao saber da pose sobranceira das árvores, vendo-as sentadas sobre o chão que é seu domínio a apreciarem, com a devida distância, a diligência e a loucura que são parte do filão do mundo restante, o filósofo deixou uma pergunta para memória futura: o infinito não é onde moram as árvores?
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