17.2.23

Empate

Beck, “Loser”, in https://www.youtube.com/watch?v=YgSPaXgAdzE

Mote: Arthur Schopenhauer, Como ganhar uma discussão (mesmo sem ter razão) – 38 estratégias para vencer qualquer debate. Porto: Ideias de Ler, 2023. 

O remate da peleja é compulsório: um dos participantes será consagrado com os louros da glória, seus os argumentos que vingam por decreto de um qualquer tribunal sumário (que mais não seja, o autoconvencimento do vencedor). O dissídio só pode terminar com a capitulação de um participante. 

Os argumentos terçam-se num tabuleiro onde a razão se arremata como critério, para entronizar a razão açambarcada por um dos lados. Não pode haver empate. Como se fosse determinação de uma norma, todavia ausente dos códigos onde estão inventariadas as leis. A impossibilidade do empate é apenas um costume que se enraizou. O tempo, a maneira como ele desamadureceu, cuidou de exacerbar o método. Os argumentos passaram a ser esgrimidos como se de autêntica esgrima se tratasse – para pior: na esgrima, os praticantes sabem que não ferem ninguém. 

Os nomes encavalitados nas sucessivas camadas de argumentos pesam na hora de afiançar um resultado. Tantas são as vezes em que não é o mérito dos argumentos que se sopesa, apenas os nomes (ou as credenciais a eles inerentes) que emprestam lastro, e lustro, aos argumentos. As discussões perderam o carisma filosófico; o sentido da palavra adulterou-se: uma discussão ressoa, quase sempre, a um terçar de armas. As discussões passaram a ser uma modalidade de belicismo em que as armas foram substituídas pela violência com que os argumentos são esbracejados contra um oponente. 

A perda de sentido filosófico abastardou as trocas de argumentos, vilipendiadas pelo fórceps que exige um vencedor e um vencido. Quem participa desta conspiração – uma conspiração contra o ideal filosófico das discussões – é responsável pela polarização que toma conta das trocas de argumentos. E ninguém dá conta da sua adulteração. Deixaram de valer por si mesmas, substituídas pela perversidade do resultado que tem de ser alinhado pela identificação do vencedor e do vencido. 

O que devia imperar era a obrigação do empate, para desconstruir a soberba dos participantes, que mal entram numa destas pelejas vão industriados para a miséria que é a obrigação de vencer. Ninguém está preparado para aprender com o outro, se a demissão do empate se sobrepõe na lógica das discussões.

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