1.2.23

Quem sai dos seus

Goldfrap, “Pilots” (live), in https://www.youtube.com/watch?v=RhF0Izwyc-8

A conspiração de fevereiro queria matar o março. Não havia particular desavença: era só fevereiro a reclamar um lugar de igualdade – fevereiro sempre perguntou por que era o mês amputado. Com março morto, havia um despojo para repartir. Fevereiro podia ser maior.

Os que mandavam no mundo, mas na sombra, nunca aceitaram a concurso o peticionado por fevereiro. Em desfavor da reivindicação fevereirista, a adesão à própria desigualdade entre os meses. Uns tinham trinta e um dias (podia-se dizer, os meses completos) e outros tinham trinta dias (os aspirantes à completude). Os que ficavam a um dia do patamar da completude nunca protestaram a sua menor estatura. Eram, talvez, conservadores. Resignados ao estatuto de meses redondos. Eram, aliás, estrénuos na retórica usada em seu favor: se de um mês se dizia ser preenchido por três dezenas de dias, os meses que extravasavam a medida padeciam de um gigantismo patológico. 

Fevereiro não aceitava a complacência de abril, junho, setembro e novembro. A maioria dos meses afivelava-se pela medida dos trinta e um dias: sete em doze. O que fevereiro não aceitava era a perna pequena que lhe ditaram. Ao pé dos congéneres, fevereiro era o mês anão. E o pior ficava por conta do acerto de contas que o sortilégio do calendário (ou da contagem do tempo, talvez seja mais acertado formulá-lo deste modo) obrigava a cada quatro anos. Fevereiro teve de se habituar a ter um dia a mais nos anos bissextos, ficando a morder os calcanhares aos meses que não se importavam de incluir na sua bagagem um dia menos do que os meses balofos. 

Fevereiro fez umas contas de cabeça. Tirassem o dia gordo a alguns dos sete meses balofos e distribuíssem esses dias pelo fevereiro que era vítima da desigualdade. Fevereiro ficaria, à sua conta, com dois desses dias. Tirar-se-ia à sorte os meses que seriam forçados à dieta: janeiro e agosto. Fevereiro seria capaz de satisfazer a sua mania das grandezas, passando a correr ao longo de trinta dias. A desigualdade não seria corrigida, pois março, maio, julho, outubro e dezembro ainda podiam esbracejar nas caras dos demais um dia a mais. O problema, foi que janeiro e agosto impugnaram a intenção. Eles perguntaram: porquê nós e não outros? Será por estarmos colados a meses que já têm trinta e um dias? Esse critério é legítimo?

Fevereiro não alcançou toda a aritmética envolvida. A divisão de trezentos e sessenta e cinco por doze não dá conta certa. A desigualdade entre os meses é a conta certa, já que os meses não podem ter um número de dias a acabar em casas decimais. Fevereiro, não convencido, foi visto a sair do cenáculo dirigindo impropérios contra incertos: “a igualdade é uma pantomina, uma patranha. Os advogados de defesa da igualdade deviam ser processados num tribunal dos direitos humanos.” Disse e continuou, resignado, para os restantes vinte e sete dias que lhe cabiam.

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