Uma lacuna importante do currículo: nunca fui a uma manifestação. Talvez por as manifestações organizadas não estarem alinhadas com a minha mundivisão (ou o inverso, tanto faz), talvez por causa da irreprimível misantropia, nunca inscrevi o meu nome numa manifestação. Não as desvalorizo. Através das manifestações, é dada existência à voz de protesto que, de outro modo, fosse ela silenciada, maior seria a asfixia que limita os nossos passos, o nosso sentir, o nosso estar na comunidade. Por mais que não me identifique com a bitola habitual das manifestações, pior seria se elas fossem proscritas.
É no quadro desta inexperiência que há dias, enquanto assistia pela televisão a imagens de uma manifestação, me deu para formular perguntas epistemológicas sobre as manifestações. Haverá um manual de estilo, ou as manifestações obedecem à improvisação? Haverá uma certificação profissional de organizador de manifestações? (Não estou a pensar na tramitação legal que obriga a pedir licença às autoridades para a realização da manifestação.) Haverá uma organização por detrás da organização de uma manifestação, com animadores dotados para mobilizar as massas, ditando o ritmo das palavras de ordem? De quem é a autoria dos cartazes empunhados numa manifestação: é centralizada nos organizadores, ou é dada liberdade a quem quiser participar na manifestação? Quem pode participar numa manifestação: a admissão é reservada (a militantes, ou membros), ou qualquer um pode participar? Existe um paradigma de manifestação, ou as manifestações não correspondem a modelo formatados?
Assistia às imagens da manifestação e perguntei-me: quem tem a palavra para desmobilizar a manifestação? Não estou a insinuar uma ordem policial, correspondendo a uma determinação do governo, para pôr fim à manifestação – seria uma intolerável restrição ao direito de manifestação. A pergunta tem outro contexto: quando a manifestação se encaminha para o final (porque nenhuma manifestação é eterna), quem tem a voz de comando para informar os manifestantes que a manifestação terminou? Como se proclama o fim da manifestação?
Será “camaradas: acabou a manifestação, vamos todos para casa”? Ou “pessoal: chegámos ao fim da manifestação, obrigado pela vossa participação”? Ou a manifestação termina espontaneamente, sem ordens dos organizadores, os manifestantes tomando consciência que o propósito da manifestação se esgotou e, ato contínuo, começam a desmobilizar?
Um dia destes, tenho de ir a uma manifestação.
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