Os esquimós não vomitam estátuas de cera. A manhã é sepulcral e a vastidão da memória entrecruza-se com os algozes, sempre à espera da confirmação de uma desgraça. E, todavia, os pássaros não deixavam de fazer as rotas de migração, desenhando no oráculo desnecessário a provisão das estações (das vindouras e das que emolduraram o passado).
De cada vez que havia marinheiros em terra, não se pressentia a construção naval. Se fosse altura de erguer navios – tarefa morosa, à margem da paciência das pessoas – os marinheiros não vinham de visita a terra; estariam embarcadiços noutras latitudes, ou desempregados. Talvez se habilitassem a inventariar as aves migratórias, se estivessem desempregados. Um passatempo nunca foi matéria pecaminosa, de acordo com os assentos eclesiásticos.
A manhã arqueava-se sobre os restos do nevoeiro herdado da alvorada, como se deixasse de ser preciso um visto para atravessar a fronteira da tarde. As embaixadas eram dispensáveis e aos diplomatas eram conferidas outras funções, por assim dizer, mais dignas de um estatuto cultural ou esotérico, à sua escolha (as duas possibilidades não são sinónimas, são concorrentes). Haveria de chegar o dia da prescrição das fronteiras. Deixava de haver bandeiras e hinos e as pessoas atravessavam os territórios sem serem estorvadas.
Era como se tudo viesse a um estado original; desconhecido, porém, original. Porque nos habilitamos a uma grandiosidade não requerida no esteio de um amplo campo de flores, como se fosse uma arca de Noé da flora inventariada. Uma doca seca de onde somos erguidos, como os navios que são feitos para não se amedrontarem sequer com os mares colossais. Uma doca seca, para depois sermos as marés que ateiam a noite híbrida – a sua própria aurora boreal, a destempo. A matéria imensamente quimérica. Precisada.
Marcamos no mapa o tempo da investida. Não precisamos de espadas. Não precisamos de trunfos, nem de uma bravura à medida dos descamisados que oferecem o peito nu às contrariedades. Vamos à doca seca, o leito filial, e mudamos a voz para metermos medo aos mecenas do medo.
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