24.8.23

Director’s cut (short stories #441)

3rd Secret, “Gift From Above”, in https://www.youtube.com/watch?v=PpeNTEVJSpE

           Era altura da poda. Os ramos senescentes podiam contaminar o resto. Não se diria: podiam contaminar o mal, que a decadência dos corpos não é doença. Os aldeões queriam adiar a decadência da árvore emblemática. a árvore era mais do que um ornato da paisagem. As gerações que conviviam aprenderam a admirar a árvore. Não foi por acaso que antepassados lúcidos rebatizaram a praça onde todas as ruas do lugar desaguavam. Passou a chamar-se praça do olmo. Agora, uns ramos enrugados sinalizavam a velhice da árvore. Ninguém sabia qual é a esperança de vida de uma árvore destas. Chamados os peritos, começaram por fazer medições da árvore, mediram-lhe – por assim dizer – a temperatura interna e concluíram que a árvore é centenária. Não souberam dizer ao certo que idade devia constar do bilhete de identidade do olmo. O respeito pela idade vetusta tolera uma década para trás ou para a frente. Os peritos aconselharam a poda a alguns dos ramos. Era preciso chamar outros peritos, a ciência da poda não era a sua. Tempos depois, os peritos certos chegaram. Como se fossem detetives da flora, examinaram os ramos com a minúcia que o profissionalismo exige. Era preciso ser cirúrgico – na plena aceção da palavra. Se fossem cortados ramos sem ser preciso, a árvore sentir-se-ia amputada. Até os aldeões podiam sentir o mesmo, tal a intimidade com o olmo centrípeto. Se fossem cortados ramos decadentes a esmo, a árvore podia perder o centro de gravidade. Era preciso saber se as exigências estéticas se jogavam contra a utilidade da poda. O que queriam os mecenas da árvore: conservá-la na sua vetusta idade, nem que fosse preciso sacrificar a estética? Ou deixá-la garbosa, em detrimento da sua saúde? Era a vez do corte meticuloso do diretor do departamento de saúde botânica. Os aldeões confiaram nele.

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