Traduz: o musgo que avança pelo cais não desaprova o sortilégio dos marinheiros que o pisaram em tempos. O cais não é demarcação exclusiva dos marinheiros e dos pescadores que ganham a vida ao cometerem atentados ao ambiente. Não interessa. Não podemos ser todos consciências habilitadas. Ao invés: quantos marinheiros que pisaram o cais a ele não voltaram? Alguns usaram o cais como partida e dele não voltaram a não ter conhecimento. Outros, foram náufragos. Quantos seriam inventariados em cada categoria? Tradução: o musgo que coloniza o lajeado do cais é a metáfora dos marinheiros que não voltaram a ver terra firme depois de o terem usado como casa da partida. Se for medida a medida do musgo que se encavalita no cais, temos seiscentos e quinze centímetros, neste dia em que escrevo. Terão sido seiscentos e quinze marinheiros perecidos, as suas sepulturas desconhecidas num ermo que não tem paradeiro a não ser o mar. Ninguém terá encomendado as suas almas. Ninguém se lembra da vida dos marinheiros, continuamente no precipício. As tempestades desavisadas, os ventos que cortam a pele, a pele que ganha rugas precoces, a má vida quando matam as saudades de terra firme, as distrações que não têm direito a existir, os maus modos que são o código de conduta dos embarcadiços, a constante faca aguçada do imponderável a pressionar a jugular, os sonhos que são invadidos por pesadelos. Quantos filhos teriam dado à estampa se não fossem cadáveres no fundo do mar? Quantos portos outros teriam demandado se as suas vidas não fossem interrompidas antes do tempo? Mede-se o tamanho do musgo: seiscentos e quinze, centímetros. E o cais, quantos metros tem? Seiscentos e quinze. Alguém devia desmentir os apóstolos da cabalística: as coincidências existem e não são sufragadas por uma gramática.
10.8.23
Seiscentos e quinze (short stories #432)
Bill Callahan, “Last One at the Party”, in https://www.youtube.com/watch?v=yAtaQy-exak
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