8.8.23

Otherwise (short stories #430)

Entre Aspas, “Gin”, in https://www.youtube.com/watch?v=k8uxDxFTcIM

          Maltrata-se a esperança. É desta têmpera que somos, a arma sucessiva que dispara no pé próprio. De outro modo, seríamos retratos efémeros, as silhuetas cintilantes que medram numa constelação de néones a despropósito. De propósito, assentamos num chão puído que se disfarça de carnaval. Antes fosse uma cortina de espelhos a mandar na clepsidra militante. Antes fosse outra a pauta diligente e nós, obedientes, recusávamos uma melancolia sem proveito. Se os dias pedem meças à lucidez, talvez estejamos anestesiados por uma imagem fictícia que nos desamedronta. Se é para fingir que não temos medo, dizemos: não temos medo. Pode ser que as palavras sejam um sortilégio e afastem os espectros que invadem o perímetro da lucidez. Ou então, deitamos sementes à memória para esquecer o futuro. O custo necessário da hibernação, devolvendo o passado que começa a perder significado nas cortinas que começam a ficar baças. Não entregamos a chave do labirinto. Não sabemos do seu paradeiro. Sabemos: ao menos, que já não voltamos a ser reféns do labirinto que nos amordaçava no pavoroso estigma de um subterrâneo sem luz e sem mapa para seguir. Evoquem-se as proezas para memória futura, à falta de outras herdadas do passado, se tão importantes forem para a diligência de alguém que quer saber quem é. Os olhos cicerones não capitulam perante o crepúsculo que os toma por mentecaptos. São meticulosos, persistentes, sabem que o sono adiado cativa a vaidade sem paradeiro. Sabem que há sempre a página à espera que deixa a página teimosa à medida da prescrição. Os espíritos sem mordaças são severos (a começar por eles). Não transigem com a falácia das facilidades. Não se hipnotizam com as frívolas ascensões, meteóricas ou não, que medram no deslumbramento. Dizemos: de outro modo – e ao dizê-lo, dizemos que não nos conformamos.  

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