Não será ultraje se a humildade mandar dizer que não fomos mandatados para salvar o mundo. É de vultuosa proporção, o mundo, e nós, admirados pela pequenez que não nos acossa, não estamos à escala das exigências. Salvar o mundo não é desafio que pertença ao nosso apartado. Devíamos dar um passo atrás para inquirir se o mundo precisa de salvação. Teríamos de admitir que o mundo está pelas horas da morte e que carece de salvação, para não cair nas malhas irremediáveis da decadência. Por mais que sejamos empossados embaixadores do pessimismo metodológico, outro passo atrás devia ser empreendido para perguntar se o mundo, em seu estado comatoso, quer salvação. Os observadores dividir-se-iam. Uns, na posse de uma candeia fosforescente que irradia o porvir, dirão ser dever nosso não perder as baias do futuro. A desesperança não quadra com a natureza tempestuosamente especulativa, que é a nossa. Outros, em plena capitulação, assinam o prefácio do estado irreparavelmente puído do mundo. Não nos interessa esta estéril peleja, todos distraídos do que devia importar: admitir que somos ilhas minúsculas, sem latitude de ação, à mercê do mundo que está de costas para nós, e nós, afogueados pelo tempo insincero, não estamos destinados a ter escondido nas mãos o segredo heurístico do mundo. Dirão: nós também somos um pedaço do mundo – também somos mundo em edificação, a menos que desistamos de ser o ser. Dizemos que não desistimos. Dizemos que as dores do mundo nos doem por dentro, cauterizam as veias fundentes da alma, assim suprimindo a sua quimera. Não podemos nada contra a força majestosa do mundo. Somos as margens onde o mundo ora vem levemente beijar, ora atear a angústia. Somos as margens que emprestam um módico de fertilidade ao mundo, um módico irrisório, distante. Se o mundo não nos acautela, por que deveríamos ter a pretensão de o salvar?
11.8.23
Não vamos salvar o mundo! (short stories #433)
Sigur Rós, “Gold”, in https://www.youtube.com/watch?v=S9aMeRDxSKo
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