Os sonhos são como cortinas. Embaciam o olhar com um trovão que se prolonga nos interstícios do tempo. Enquanto o troar da tempestade avançar sobre o paradeiro, os sonhos estendem um labirinto que se tatua na pele. Tudo deixa de fazer sentido: os lugares perdem geografia, as palavras perdem gramática, as pessoas perdem os nomes, o tempo não está em harmonia com a sua medida e as perdas hasteadas pelo porvir ganham pertença.
Os nomes atrás dos sonhos são o seu próprio biombo. É por dentro do sonho que se confirma a ausência de vontade. Os argonautas dos sonhos são seus passageiros. Não sabem onde começou o sonho, não sabem arrolar os lugares por onde o sonho passou nem o tempo onde o sonho vai desaguar. Durante o sonho, vamos atrás dos seus mandamentos. Autómatos, entregues ao sortilégio do sonho. Não somos mandatários do sonho, estamos à sua mercê.
Os nomes vão atrás dos sonhos, confecionando as matérias-primas que os sonhos legam em memória. Não somos seus intérpretes. Não conseguimos fugir de um sonho que nos angariou. Os sonhos não têm nomes, apenas vultos. Os vultos são os mecenas dos sonhos, colonizando a ficção que acontece no avesso das mãos. Não se imaginem personagens por dentro do sonho, que elas são legadas pelo sonho. Podem ser apenas rostos a quem foi arrancada a identidade, para que os rostos não correspondam a nomes. Esta é a condição de validade de um sonho. Se não for composto por personagens anónimas, o sonho foi adulterado por contaminação do agente que está à mercê do sonho. Passa a ser matéria híbrida, meio sonho, meio matéria palpável.
Os nomes não se podem locupletar com a matéria dos sonhos. O periscópio a que os reféns de um sonho deitam mão tem a lente escurecida. Deixa pressentir um vago crepúsculo, no avesso do qual se pressente o acontecimento das vidas por fora dos sonhos. Às vezes, os sonhos parecem a extensão da vida; não são sonhos genuínos. Outras vezes, os sonhos parecem um compêndio de surrealismo, os nomes abastados na indiferença, os lugares sem pertença, o tempo cindido pelo vulcão de onde dimanam os sonhos. São os sonhos autênticos.
Um dia, um mago aconselhou o rapaz a refugiar-se num sonho, num só. Sabia do que falava. Sem disfarce, o mago desembaraçou os vultos que se arqueavam sobre o futuro do rapaz.
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