Expiam as culpas sem que ninguém tenha perguntado por elas. Os legados que se abatem à revelia da vontade desfazem as ilusões sobre a autonomia: somos minúsculos grãos numa empreitada de que nem sabemos ao certo o tamanho, a vontade de cada um não tem apelido nem apeadeiro onde estar.
Se ao menos deixassem que a vontade de cada um tivesse toponímia própria, não era preciso a condescendência dos outros com o beneplácito de entidades que se situam um patamar acima de nós para selarem o perdão. Não andamos à procura de perdão. Não andamos à procura de arrependimento. Queremos chamar a responsabilidade pelo nome próprio, sem partirmos em demanda da aprovação exterior. Deixamo-los a contas com os seus atos, as suas vontades, a responsabilidade que não deve sair das fronteiras do ser. A coletivização da vontade é dispensável. A coletivização do perdão e a intermediação de entidades que se investem da capacidade de caucionar o arrependimento não têm lugar no palco a que subimos. Não somos rebanho.
Podia-se perguntar: onde está o arnês? Seria a pergunta axial, a pergunta suficiente. Ser-nos-ia atribuída a diligência de encontrar um arnês e de o trazer vestido como se fosse o seguro perene contra as contrariedades que se jogam contra a vontade, tornando-a um erro à procura de indulgência. Mas a não colocação do arnês não seria sujeita a punição; a tutela da responsabilidade seria a voz distintiva.
A indulgência coloniza-nos. A lógica da sindicância paternalista impõe-se sobre o espelho da consciência. A consciência deixa de ser privativa, fica permeável ao escrutínio de fora para dentro. Sobre ela impõe-se um dever de socialização. Contrariando a sua natureza, a consciência torna-se coletiva. O arnês deixa de ser preciso.
Que não fiquemos sitiados pela ilusão: a dispensa do arnês e o convite para a consciência partilhada não é código de conduta. É preferível não dispensar o arnês e recusar a transfiguração da responsabilidade em património comum. Não devia ser permitido sermos tutores recíprocos das consciências. Não é digno metermos no peito as consumições interiores dos outros. Nem devia ser padrão suplicar aos outros que perfilhem as nossas dores de consciência.
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